segunda-feira, 17 de novembro de 2014

e os re-signos de sinos bombardeando amanhã. e os muros e os cadafalsos fáceis de desfazer. e as rés de rés do chão, não de goivas, de cumes, de facas, de moitas - de gonzos alardeando tudo o que não presta. e as prestações das palavras alardeadas em falso. e os fundos e os cadafalsos, e os de-novos, e os novos, e os noivos, e os devotos, e esse anoitecer sem medidas que as tias e as primas tocam como os sinos, chamando para as missas, as messes, as muitas remessas de postais para não estar    em tais momentos   juntos, porque boçais,    porque argumentos bastam. e basta de cadafalsos, de fusos horários, de estampas, de estrume de vitrines e de muitos grandes vidros que não quebram pra jamais.


coração cheio de guetos, que nunca cessa de transbordar. coração cheio de linhas, linhas retas para incomodar, linhas brandas para beijos furtos, linhas plúmbeas para lembranças, linhas anchas, melosas, melodiosas, linhas meio a meio e linhas sem freio. e as manchas. manchas dom quixote, linhas sancho pança. manchas para trás e ao revés. vizinhos e tios e primos, não, colagens. colagens para as paragens mais difíceis de resolver. e o revólver das manhãs para refazer.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014



ensaio de rascunho, parte por parte.
alarde.
sumos e duomos de rascunho, que as unhas ferem.
domesticadas as feras e as ferragens,
há um fuzil em cada anil
e há um vértice em cada verde,
um vermelho para o mergulho,
um orgulho de tudo o que não presta,
um prego, uma placa, uma sisma, um sussurro,
um urro.



sexta-feira, 7 de novembro de 2014


fazia frio no castelo, porém pedra sobre pedra é sempre a mesma tapeçaria.
as escadas em espiral conduzem ao labirinto do ouvido.
uma torre circular é mais quadrada do que uma janela redonda.
as cruzes se entrecruzam no momento de um suspiro.
passagem secreta não mora em portas, mas abertas.





Horizontes

sábado, 25 de outubro de 2014

finalmente brigam, se discordam, finalmente destoam suas cordas de baixo acústico por toda a zoeira da sala. são tão mente-e-corpo que é difícil separá-los dessa marra desse ranço dessa destinação na qual a poeira e as plumas formam a nuvem-gelo, o gelo-seco do combate entre a dor e umas acácias que, no meio do caminho, perturbam o olhar do homem sem orelha. enquanto as saudades roxa e branca perturbam o olfato do homem sem retina. são aglomeros, são gonzos circundantes, são pequenos objetos arremessados na memória: o bilhete, a moedinha preferida, a máscara para respirar e as anotações. finalmente param, desligam-se, ficam lúgubres e lugares: são agora estátua renascida do oceano, alga e musgo sobre as faces.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

conchita canta, conchita cofia as barbas do senhor fidélix. conchita é a mulher barbada, a drag queen, queen of europe, a que é e a que não é, ela canta o que vê no escuro, o urro o murro o morro e a masmorra onde se chega só tirando os saltos, no final da noite. é lá que se esconde a boite, o bom de viver que os engravatados divergem se devem dividir com a mesa posta ou se fica para postre depois do desperdício.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

baile do abalo

para nenhum quixote depois se desculpar. pois dos malentendidos, tufão. remolinos estão sempre acordados quando as cifras deixam de ser retas e há baile nos códigos de barras. é a melhor vida, a corporação, isto: o puro ar. só se vê quando as coisas, as costas, os ombros, a ponta dos dedos fazem vento.
a ninfa, a mesma que carrega frutas dentro da pintura. a ninfa, a nenúfar, a de nenhum gosto, a puro movimento, aquela que põe ar dentro das manhãs. ela veio assim, em  um palácio, em firenze, as estátuas com os dedos quebrados não indicam. ela veio assim, em roma, as estátuas de cabeças quebradas não indicam. ela veio assim, em brasília, os passos voados dos carros não indicam. porque nada voa como o seu corpo, só flutua no momento dado, de braços abraçados em si mesma. a ninfa. não esta que é brasil, a que nunca se olhou no espelho. e é por isso que os ventos dormem e acordam com ela. sua presença é fogo, transparece a cada pequeno intervalo branco na jornada de falares e ouvires sempre tão afetados por nenhuma ninfa.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014


mini atlas da minha parede, o primeiro



a uma passante que emaranhava seus cabelos em alguns balões de Hélio,
querendo voar na coisa chã:
corpo aberto é o mundo, o mais impenetrável dos sistemas.
por isso deambulo bem dentro da minha cabeça.



sexta-feira, 22 de agosto de 2014



se você não tem seus aliados, voa à vista da vitrine e do tato. o que conta são as contas só pra mais,  seguidores, boxeadores, protestantes. se você não se enquadra nesse quartzo, vire as pedras de ponta cabeça e não apronte pois a pedra está sempre à mão para a lapidação.





agosto de 2014



quinta-feira, 14 de agosto de 2014






verso é vento que pesa, ô, é vagalume que paga conta e é por isso que coleciono os meus quixotes aqui dentro do sutiã.



francis e a fuga




carrego a pedra de gelo, o paralelepípedo, quase todos os dias.
só não sou sincera em momentos de diversão
quando juntos
difundimos os papeis, partilhamos as publicações,
damos pulos no vácuo. durante o resto do tempo
sou fria como linhas sobre linhas sobre linhas
quase sem espaço em branco.
são absurdos os abusos desses ângulos retos
a levar pelas calçadas muito comportadamente.
francis propõe a fuga pela frase: tudo é ensaio, e às vezes conduzir a nada
é que é um algo.
faço tanto e tento tudo
justo
porque os tornados me coabitam
e não fujo



.

sábado, 19 de julho de 2014

tudo é escuro



você não entende por que todos os passos da dança de giz são sempre passados dentro de um livro de anatomia. porque toda linha conflui e floresce sinuosa entre dentes. e obsessão é pouco. para compor essa corpografia, o médico entreteceu com ticiano alguns mistérios que não se servem em taça. e é preciso, para isso, saber manejar as facas. esses olhos que enxergam dentro não abolem vespas, sobremesas, cochichos, causos de animais fantásticos. o ombro renasce simples, pleno, torto, desde antes de vasari e até dos vasos gregos. esse que dói de desenhar dentro das ombras. as obras, não há.



xerox, desenho, colagem, julho de 2014

quinta-feira, 10 de julho de 2014



um aperto de hora e meia
pode ser dia inteiro

o sol se intermezza
só nos meios

só quem se interessa
está inteiro

onde tanto dentro se desmorona
ao mínimo vento








colagem e tinta industrial. em processo, 2014

terça-feira, 8 de julho de 2014

segunda-feira, 7 de julho de 2014

esse furacão são os olhos das professorinhas que exaltam-se a cada palavra-diabo pixada pelas esquinas, a cada aniversário das crianças, a cada pedaço de bolo-gula do velho frade fazendo crochê, e sempre gritam: excomungados! excomungados! excomungados! como vamos explicar aos nossos pimpolhos que piolhos como aids em banheiro e que os guardas se guardam dos ais nesses cofres públicos e que as polícias batem e que pulgas, gafanhotos, cachorrinhos e sacis sempre nasceram ontem. 



terra sigilata,  21 x 14 x 10 cm



esse furacão são olhos que voam lentos quando começam os treinos e nos primeiros tempos são brisa de flautista irrompendo no quarteirão e nas quartas de final ribombam na mão dos anjos: essa é a sétima trombeta, cuidado com o capeta, os nazis sufocam.




quinta-feira, 19 de junho de 2014

oh por que esses olhos tão grandes por que essa barba oh por que tão grã-fina oh por que os laços nas tranças oh porque nas esquinas oh porque diamante oh por que mentes e transas oh por que tantas naus e antes nem tínhamos a mínima vergonha
diga, mr. sardinha, por que esse nariz tão comprido por que comprimidos oh por que não baques soltos sobre arranha céus oh por que sempre os sétimos céus de piruetas verborrágicas
as misses antropofágicas tiravam as roupas que os jesuítas lhes davam por julgarem-nas anti-higiênicas
oh por que sim por que sem por que sempre assim oh


quinta-feira, 12 de junho de 2014

gritei e tu gritaste se pegar pega ladrão porém as bombas e as notícias ribombando sobre os escudos da choque em todas as esquinas nos fizeram gritar sangrando.


meus retratos de El Fayum, 2013

domingo, 8 de junho de 2014

Depois da água - videopoema

Não adianta vir dizer que os pedacinhos se resolvem. Colar descolar uns dos outros, como mármores coloridos de repente mosaicos sem pastilha, mosaicos só cabelos braços pernas mãos todas feitas de giz pastel e sabonete. Sabonete porque.  Inútil desfazer o limo musgo casca graxa gosma de sobre os dias sem:  ponta de cabeça, tela aberta no branco, gotas dipirônicas e papeis desamassados. Cola branca, por favor. E nada de pasta acrílica. Empresta-me tua tesoura. Macarrão de vez em quando. Tinta piso também serve. E os esmaltes, brilha Conchita. Os recortes sim, senhor. E não me venha dizer que Matisse, nunca mais. Porque esses trechos todos são de corpos. Amontoados ou não. Pedacinhos meio homem, meio mulher, despedacinhos. Pensamentos. Traços no vácuo que podem refletir estrelas quando a gente olha, assim, de bom humor.

domingo, 1 de junho de 2014



[aqui há só registros de processos. imagens que tento e treino e outras horas namoradas. e os textos são feitos durante/após, colando e descolando-se dessas aglomerações de cores e formas. são registros de montes de momentos que se esvaem sem muita solução, só dão a forma, são a forma. quero dizer, tudo rascunho, tudo instantâneo, sem muita norma.]
[agora, porque não era assim. esse blog era uma gritaria e depois tanto silêncio. achei o jeito de mantê-lo vivo, por enquanto.]

sábado, 31 de maio de 2014

de tanto nada a declarar, clareou o dia.



porque a partir dos parquets se vai longe. cada sulco, areia. porque poeira é fenda. segredo gosta de cinza, restos de comida, e patas de baratas, caixas há séculos fechadas e manuscritos que também não cabem, tão cabais os momentos de não se encontrar com ser vivente. e é por isso que a partir dos parquets se percorrem parques nunca imaginados. porque debaixo dos sapatos vive um mapa complicado de aspirações a outros mundos. porque quem imprime a poeira do tempo é deus. e ele está sempre distraído atrás dos passos tropicados, das prostitutas, de quem se possa proteger só com palavras. elas caem, um dia. porque os parquets não moram fora. para varandas, há cimentos, táboas, pisos frios e frisos onde molha a chuva.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Depois da Água



Este é o teaser do Depois da Água, feito em parceria com os artistas Guilherme Doze e Luize Zanette. É o primeiro de um conjunto de três vídeos que nasceram dessa parceria através do prêmio Elisabete Anderle da FCC acompanhando o nascimento do livro Depois da Água. Em breve postarei aqui o segundo da série, um videopoema com pouco mais de 2min.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

desaprendi a estar sentada como a gente aprende a comer doces sob o vento sul. porque a cintura às vezes não cabe, desencaixa debaixo de ombros. e porque as janelas tremem sob a pressão das árvores que se tomam, diabólicas, de movimentos interjeições e coberturas. esse enquadramento simples, caixilho com vidraça, aconchego de avelãs, caldas e muito quentes esses chocolates. tudo porque o tempo vira. e debaixo de telhas a vida é mais pequena. tudo porque, de repente, a brisa desencaixa, e há ombros, pernas, braços, abraços, pequenos movimentos de pés e de sobrancelhas. o dia dança, desde de manhã, sem sobrosso.

domingo, 18 de maio de 2014



                                                                     garras na garganta
                                                                     agonizando
                                                                     figura geométrica ou quase
                                                                     quantificação dos cílios
                                                                     perícia dos instantes
                                                                     peripécia bárbara
                                                                     bigorna do tempo    relógio
                                                                     lógica difusa entre dentes
                                                                     demônio da situação
                                                                     nas demoras consagradas
                                                                     do cotidiano

                                                                     garras na garganta
                                                                     porque o tempo é grave
                                                                     é de não dizer
                                                                     é desfazer as grades
                                                                     e as simetrias
                                                                     é de engolir espadas
                                                                     e águas frias
                                                                     é de engodo padrão, é de
                                                                     porquês no lodo
                                                                     é um tempo lambisgóico
                                                                     são gotas de momento
                                                                     que não sussurram

                                                                     garras na garganta
                                                                     de molhos agridoces
                                                                     de salsas e de palmas
                                                                     que sempre reverberam
                                                                     no vácuo

                                                                     são garras escorregadias
                                                                     que ninguém vê
                                                                     que ninguém sopra
                                                                     que sobram de bolhas
                                                                     de sabão

                                                                     são brisas altruístas   rótulos
                                                                     tipos de mercado e
                                                                     parafusos    são fusos
             horários que não encaixam
             na garganta

           são granadas enganadas
           e são nadas que pesam
           como livros de coucher
           como lindos avisos
           e louças de casamento
           são momentos idos,
           são tios do instante e sobrinhos
           são sobras e sucos
           de pontas de canetas

           alfinetes na garganta
           gargalos de garrafas
           e coisas congeladas
           como preços no passado
           como tempos abraçados e
           montes de momentos
           pétreos e féretros
          que engolem
          engolem       engolem

sábado, 10 de maio de 2014

sábado, 3 de maio de 2014





nem sempre é fácil gerenciar a coleção de nuvens. elas às vezes escapam de dentro das gavetas, das frestas dos diários, da caixa com bilhetinhos e ingressos de museu. um dia, uma nuvem azul me pediu desculpas. fugida, eu a reencontrara no corredor da faculdade. ela fazia as costas perfeitamente. outras vezes, um fiapo de nuvem torceu o pescoço dentro do banheiro. outras vezes, ela se alinhou, um suspiro para cada costela, a nuvem ereta geralmente esconde alguma coisa. uma curva dentro do corpo pode explodir: vira mapa. vira estrada. cruza pontes que não são de ferro. e também acontece de alguma nuvem em estado de emergência pousar na tela, em dias especiais.



isso tudo, escrever dias depois da imagem, algo assim de passagem para não sobressobrar, nem soçobrar este blog, lembrou-em este poema simplinho do Desconjunto:



musa pós-moderna
num soneto de Camões

lendas techno
em saudades Gonçalves Dias

um antigo sonho casamenteiro
arde na internet

desintegram-se formas do Quattrocento



integro-me às sobras para ser. é assim, não bem assim.




ele fez o atlas e depois enlouqueceu



 a sobrevida das sobrevivências:   séculos empilhados no fundo rosa da colagem. aliás não fundo:   só pastiche de mim camadas de vermelho bem diluído sobre o branco o branco o branco o branco impossível de desfazer.



sábado, 12 de abril de 2014






Fragmentos Flatbed

fotografias de uma tela em processo, 2014

ele me disse que era preto no branco, bruma de todas as manhãs, manha das esquinas, café em porcelana, fugas das fusões de figura e fundo, e nada mais.
respondi que o cinza às vezes acontece.

domingo, 6 de abril de 2014






o Senhor Censura de autoflagelou quando, de manhã, as páginas puídas de notícias anos 70 se desfizeram de zelo, correram assim feira livre, sinuosas e brandas com café e carícias por todas as esquinas desse país de passados rabiscados e palavras lacradas a chave e cisma, como lombrigas, na escuridão rútila dos dias verde oliva. todos os editoriais se distanciaram daqueles que corriam assim a là pasolini, e sem pausa.


segunda-feira, 17 de março de 2014

Exposição


Segue aberta até dia 23 a minha exposição no espaço Lindolf Bell do Centro Integrado de Cultura / CIC, em Florianópolis.

Estou apresentando fotografias que foram realizadas sob a estimulante supervisão da artista Maria Lucila Horn, que além de professora no Ceart/UDESC é organizadora do festival Floripa na Foto, que este ano ocupou todos os espaços expositivos do CIC, promoveu palestras e workshops com fotógrafos de alto quilate. Conheça o festival aqui.

Estou expondo dez imagens e um poema - ou, como prefiro pensá-los, onze poemas que fazem parte do contexto Depois da água. São experiências com light painting, ou seja, fotografias produzidas no escuro com o auxílio de iluminação manipulada por mim durante a longa exposição. Muitas das imagens são autorretratos, compostos assim, de maneira bastante performática na solidão da casa anoitecida.

O livro, que está atualmente no prelo pela Editora Nave através do prêmio Elisabete Anderle, trará um caderno de imagens no qual novas disposições desse trabalho fotográfico serão oferecidas aos leitores.






















quarta-feira, 12 de março de 2014

tapin²


O poeta francês Julien d'Abrigeon criou o site T.A.P.I.N, durante os anos noventa, a fim de divulgar poetas contemporâneos com produção constante e interessante dentro e fora do livro. Abrigando principalmente autores europeus e latino-americanos, o site teve um recesso de muitos anos e volta hoje sob a forma de tapin².
Conheça o site aqui.
Criadores de várias nacionalidades apresentam trabalhos de poesia fora do livro, principalmente em vídeo, performance e áudio. Com eixos e referências diversas, todos são poetas contemporâneos ativos, que produzem linguagens heterogêneas.
Uma honra poder integrar a empreitada com um poema sonoro, um vídeo (feito em parceria com Danielle Sibonis) e um registro de poesia falada. Confira minha participação aqui.


sábado, 8 de março de 2014




















Colagem, pastel, xerox. 2013. 21x29 cm.




Depois



Há coisas que não cabem
nos olhos da professora.

A bomba que retumba
na beira do mar:
impossível
aprender a olhar.

Depois: ser um corpo
ter a pele
andar sobre a areia.

Depois: ver o dentro
no escuro, rastro, dobra
ou seio ou imagem de sereia.

Como ensinar o tempo.

Há coisas que sobram,
lições soçobram:
só vendo, ou sendo.





















Estudo para estapafúrdio. Aquarela. 2013. 21x29 cm.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Vídeo Mundial Poético de Montevideo

Miniatura


A TevéCIUDAD, canal estatal uruguaio, realizou vídeos com os poetas que participaram do primeiro Mundial Poético de Montevideo, evento organizado por Martín Barea Mattos e equipe, em novembro de 2013.

Meu vídeo foi filmado na Ciudad Vieja. Apresento 3 poemas breves do livro Depois da água.

Assista aqui.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Dois poemas transcriados em espanhol por Juan Manuel Terenzi


Por ocasião de minha participação no Mundial Poético de Montevideo, em novembro, surgiu a necessidade de traduzir três poemas de meu livro Depois da água para o espanhol. Esta foi a provocação inicial, que acabou se ampliando para um número maior de textos e gerando um processo generoso de descobertas e alegrias tanto para o tradutor quanto para a autora. A transcriação foi realizada com esmero por Juan Manuel Terenzi, cujo talento e preciosos insights embelezaram as versões.

Hoy no salió
el sol.

Se me fue
mi otoño.

Hoy el sol
abrió sus arenas
en las venas
de mi cama.

Tan tristón
tan sin vez.

Se me fue
el eco
del desierto.

Hoy el sol
lagrimeó
un tango antiguo
olvidado.

No pasó de largo
ni bailó por el cielo.

Hoy el sol
papel e hielo.

Escalofrío de luz
en el epicentro
del silencio.

Hoy el sol
es un son

de adentro.


Hoje o sol
não saiu.

Sumiu
de mim
meu outono.

Hoje o sol
abriu suas areias
nas veias
da minha cama.

Tão tristonho
tão sem vez.

Sumiu 
de mim
o eco do deserto.

Hoje o sol
chorou
um choro antigo
violado.

Não mirou de lado.
Nem andou no céu.

Hoje o sol
é de papel.

Arrepio de luz
no epicentro
do silêncio.

Hoje o sol
é um som
de dentro.


Juan Manuel Terenzi cresceu em um ambiente bilíngue: espanhol (Argentina) em família e português na escola. É graduado em Engenharia Química e em Letras Espanhol na UFSC. Atualmente finaliza o mestrado em Teoria Literária, estudando a obra de Juan Carlos Onetti, e cursa a graduação em Filosofia, também na UFSC.

Porque tu voz habla otra lengua,
pero tu boca no.
Tu boca profiere
lo que hay en las entrelíneas
y no se precisa.
Tu boca, del otro lado de la frontera
perfectamente mía.
Porque tu boca habla al sesgo
y no habla en lenguas.
No necesita subtexto
ni de vueltos devueltos.
Tu boca de vuelos, es loba.
El contexto es el lobo del habla, ladrón.
Porque tu boca es igualita a la mía.
Y nosotros hablamos. Sin embargo, nuestros ojos
se besan. Porque tus ojos vinieron de otro mar
y son míos. Tus ojos
filisteos, navegantes, estrellitas,
tus ojos dicen todo lo que ves.
Somos nosotros. Nosotros. Nós dois.


Porque tua voz fala outra língua,
mas tua boca não.
Tua boca profere
o que há nas entrelinhas
e não se precisa.
Tua boca, do outro lado da fronteira
perfeitamente minha.
Porque tua boca fala de viés
e não fala em línguas.
Não precisa de subtexto
nem de trocos trocados.
Tua boca de trocadilhos, é loba.
O contexto é o lobo da fala, ladrão.
Porque tua boca é igualzinha à minha
e nós falamos, entretanto nossos olhos
se beijam. Porque teus olhos vieram de outro mar
e são meus. Teus olhos
filisteus, navegantes, estrelinhas,
teus olhos dizem tudo o que vês no escuro.

Somos nós. Somos nós. Nosotros.