sexta-feira, 29 de janeiro de 2016



come folhas, cospe vento, manda o chão despir de chão o seu próprio ser, tornado Tornado.
se remói e se rói em tempos de seca, quando a terra está pronta para voar e criar esses seres fantásticos dos quais ele se julga fiel apreciador. não são fantasmas, não são moinhos, nem tampouco  redemunhos: apenas grandes massas de ar em movimento que o artista caça como se fossem feras.
ele espera o instante de soprar porque tem peso de osso. faz tudo se desinventar enquanto fala folhas, foglios e hojas molhadas de hoje.
nunca espera o amanhã. às vezes, se chama Francis, assim esquecido de grafias e das agruras do verão. é, na verdade, melhor nomeado Fúrias, Ânemos, força elísia para a qual se diz: Êpa, Rei.
dentro da sua barriga mora a baleia Bela, quase sempre adormecida que beijo nenhum acorda, porque ela é dona de todos os Relógios. mas, para ela, já não há espaço nesta página. toda ela está molhada pela baba que o vento deixou cair. sua alma faz: pssiu, melhor deixar o Torbellino ir.



domingo, 10 de janeiro de 2016




Sem título, Telma Scherer, 21cmx29cm, pastel sobre papel







nada é novo.
são os mesmos pratos sobre a mesa,
o mesmo grito dos cachorros
e os fogos de artifício
artificiais
como as luzes de todos os natais.

nada é novo.
só quem se comportou
vai ganhar presente.
há quem ainda aguente
os merengues dos telejornais.

feliz não é um ano novo.
natal não sobe morro
morro que morre do que também morro
e conta histórias
de outros carnavais:

índio degolado e
rapaz engaiolado por engano
no engodo de um de tantos policiais

quem sabe que sabe não recorda
a curva zonza dos canaviais
e as mortes por diarreia
e as assembleias tão brancas
onde votaram coisas tais
como cortar gargantas e
as liberdades individuais

e envergonham os pais vindouros
com as luzes de tantos assombros.
é o plim, é o ouro,
o estopim que desloca lama para o mar.

é o que engasga o olhar
nos garfos prateados
dos pobres assalariados
que ainda se julgam deus.

feliz não é um ano novo
na fila que fazem os corpos
que pagam a prazo os presentes
das pessoas que estão ausentes
dentro dos próprios corpos.

feliz é o plim, é o ouro,
o estopim que desloca
a lama, devagar.



terça-feira, 5 de janeiro de 2016



a garganta do garoto, cortada, em plena rodoviária. um lugar seguro, onde não rondam ratos, nem estava escuro, nem se viram répteis enrolados como cobras que a qualquer momento pudessem dar o bote - e de canivete na garganta do menino. 
a mãe amamentava, a mãe miúda e morna de leite quente que a mídia não mostra, a mãe graúda de braços, mãos, pernas fortes e nortes na noite e parentes ancestrais. ela escorada na parede, sentindo o leite quente na boca do menino. e o lodo ao lado, o homem grande, a cobra, o braço - o bruto riscando como serpente o seu bote de bofe enraivescido, envaidecido de repente pela mídia que não mostra e pensa que pode saltar o suor de suas raivas pra cima de qualquer um, em plena rodoviária. 
mas não era qualquer um, era Kaigang a garganta do garoto cortada. não era agrário o salário do pai, não era funcionário, não era empregada a mãe que era prendada, era moça, era índia KAIGANG, da gangue dos fortes, que ainda não mataram desde os 1500. e que não têm aumentos e que não têm salários e ocupam hectares tais sem calendários e sem ódio e agrotóxicos que ofendem a fúria do homem branco. 
e era bruto era burro, era bronzeado, safado, e pagava, e pagava a prazo: IR INSS ISQN e IRR, e não era nomeado e não gostava de pagar e não era de apanhar o carro ao meio-dia ao lado deles que nem trabalham e que sugam tetas como as tetas pretas de todas as favelas. como as tias das muitas tretas e os trouxas que não leem notícia, não sabem que o país vai mal, vai mal, vai mal, tudo all, que a crise cresce e esmorece quem paga INSS e é homem de bem, funcionário padrão, messiê Mr. Músculo, fodidão. 
e porque era cheio assim da vazão e fora de qualquer razão, o sem-motivos abrenúncio capeta e pé de pato e otário planejou tudo sem murro. chegou junto e carinhou a cabeça, salafrário, fez cafuné no menino ainda sendo amamentado pela mulher. e virou de lado para disfarçar e puxou o canivete como se fosse leque e para não assustar cortou rápido a garganta do pequenino Deus, um dia depois do seu segundo natal. o vade retrum fugiu desconsolado, de peito lavado, mudo, malvado, branco e bruto e maravilhado como todos os que só leem jornal. 

e desde então Tupã planeja o seu ensejo, junto com todos os orixás: e manda preto para o palácio do planalto e manda ginga dos ijexás e manda raio pra cima do congresso e manda peste e manda recesso e manda chuva de pedra sobre a plantação e manda sol e seca pra população e manda ócio para as abelhas abelhudas manda abrolhos e caolhos pra investigação e manda o cúmulo pra cima de um país de suor e crise

porque no túmulo do índio Vítor, a verdade vítima, Tupã decide que El Niño ainda vige.