quinta-feira, 15 de junho de 2017

Eu sou a mulher com a mão na boca. Já fui a outra, abaixo, abraçada naquilo que queria morder - a pose composta e o corpo deturpado pelo olhar estrangeiro. Agora a ogra. Energia de braço que empunha o pedaço do inimigo, quem sabe se chamando alguém. Também me abaixo para soprar o fogo, se for preciso. Visivelmente incomodo o ancião ao meu lado, aquele que quer honrar as suas costelas conquistadas com êxitos de tantos séculos. Mas eu não ligo.

terça-feira, 6 de junho de 2017




No banco de trás de um carro velho,
eu lia Marx enquanto a família viajava
para qualquer lugar sem sentido.
Era um texto todo em itálico, ainda a introdução que
me dizia de Hegel, e eu nunca tinha ouvido um agá
que não fosse em forma de “erre” para os meus ouvidos.
O texto tinha um “alhures” que eu lia “al-rrures”
não sabendo de onde vinha aquele “al” separado na frente das coisas
e eu não achava normal um agá mudo, apesar de tantas palavras.
A família cruzava as estradas vazias
nunca a mais do que cem por hora, porque
o máximo eram os oitenta
e se tinha que respeitar
E não me contentando com as festas
e os brincos de plástico as blusas
de tomaras-que-caia em vivo cor-de-rosa
Eu preferia o amarelo dos livros.
E sendo a mais nova de todos os três filhos
que também vinham no banco de trás do carro velho
vestindo as camisetas que logo depois seriam as minhas
interrompendo a minha leitura com as suas importâncias
eu lia a palavra “al-hures”  com o som de um itálico distante
e queria saber mais sobre Hegel.
O agá de Hegel era o mesmo de Heidi, Heimat,
Haare, hungrig, raspante, eu esperava o momento
de poder parar sair daquele carro
carregar o livro para onde eu bem quisesse
e parar de me preocupar com as importâncias.
Eu via os senhores e os servos se sorverem
nas inconstâncias cabíveis aos meus quinze anos
de renúncias, raivas, rastros,  ritmos,
naqueles oitenta sem sentido, na direção de umas linhas.