quinta-feira, 28 de setembro de 2017





insônias. ela ressoava. trovejando um pouco, gotejando,
tateava. encontrava no escuro o vinho, morno, de língua.
ela traquejava, entrava em surto de mistério e ismo.
então: insônia?
horas passam rápido frente a telas com palavras,
páginas entreabertas.

fechando os cânceres do malgrado
ela refazia os tecidos
tecidos de gatos e lembranças de luzes
em meio às nuvens que eram –
indubitável! − de algodão-doce.
então girava frente à música que ela mesma soava.
os braços saltantes, saltitantes, saltimbancos –
roda mundo, roda gigante.

e ela repetia o mal dos ritos,
das profanações, templos gregos, que tudo era fim e início.  
insondável era seu dormir entre tantas
tantas imagens de cores desgastadas
camisas puídas
e o contar dos trocos na bolsa. e cigarros amassados em meio a:  
batom, notas fiscais, até pente.

no meio da sala
em meio ao som que impulsionava os braços a girar
uma pequenina aranha entrara dentro do sutiã.
e ela apenas rodopiava! ninguém viu o aceno
o acento
do sentir andar sobre a pele          patinhas          acariciando
as pintas
que giravam giravam giravam burilavam.
foi feio ter que lavar
o resto
de carne moída
sobre os seios.

e expurgava.
insônia?
três banhos quentes
dois cálices de vinho
cale-se.



poema do livro Desconjunto, 2002, revisitado em 2017.








quinta-feira, 14 de setembro de 2017




ele achava que família era igual a um carro grande,
e caro,
no qual ele entrasse como em uma blusa nova.


ele achava que jamais existiria
qualquer coisa macia 

fora desse nó de gente,
gente igual
gente amara
que amargou os mesmos traumas.

mas ele focava no carro, na luz, no gozo do metal tinindo,
e nas fotos que faziam
em natal e aniversários,

eles sempre mais potentes, o prazer do desempenho,
o penhor dos pundendos, as putas, as promoções.

ele queria ser um Deus, um Pai, um que Pode.

por isso, precisava cortar os cabelos regularmente
e ouvir e ser amável
e saber comprar presentes.
precisava de secretárias e saber guardar segredos

principalmente os mais fundos
os mais falsos, os físicos,

os futuros valiam mais do que todos os ais.

ele tinha um emprego
na companhia de seguros

e assegurava possuir a namorada
plenamente loira
nas horas de diversões nas quais
seus amigos importantes
importavam putas
desde rio de janeiro

maravilhosas, mais brancas, mais fogosas
menos garota da grota
menos pé de laranjeira, menos sardas, menos barriga
a cintilar depois do almoço de domingo.

mas elas eram lolas e eles lisos,
sem se importar com o loló que vem depois.

ele era amigo do que só podia ser, porque
não cabia noutra parte.


se partia, se tivesse que partir.

não pertencia senão a esse corpo que sempre só diz sim,
obrigado, por favor, faça-se.

hoje ele é um fantasma
que faz farra com seus carros importados
na frente de todas as portas
que passam fome e fumam.

ele é o que coube, e soube, e então dirige
os fuscas do futuro e os passados,

ele Pode, é Deus, Pai,
Pôncio Pilatos.

fez família, filhos, fundos de investimento
e fundações culturais.

se falam a palavra “puta”, não lhe serve,
sorve as pausas entre cafés e funerais
para acumular em suas contas
a cor branca,
as mais de quarenta brancas manchas
que um inuit vê nos seus jardins.

mas ele não sabe o que é inuit, a noite é grande,
e há que se ter família, porque enfim.

e família é igual a um carro grande,
que se veste com vestido branco, sem vulto de vulva,
sem vacilo,

senão não tem vintém,
não tem ninguém,
é nulo.

eu o vejo hoje, fantasma,
a aparelhar os sindicatos.

são tão tapados, os coitados, que quando veem um carro grande,
um Cristo, um ‘credo que terno mais bonito!’
não veem seu lado aflito.


se ofuscam
e fundam associações pró-fuscas.