Eu tinha quase 33 anos quando iniciei o curso de Artes Visuais. Já possuía uma boa familiaridade com a poesia, bem como com outras linguagens, como o teatro, pois comecei muito cedo a lida artística. E, em seguida, entrei também no doutorado em literatura.
Era 2012, eu já tinha 2 livros publicados, 3 projetos aprovados em prêmios, e uma experiência longa como performer, oficineira, fazedora de coisas no campo das artes. Cansara um pouco da vida dura de poeta, sempre a instabilidade do serviço autônomo, os projetos constantes, as viagens, o meio cultural com as bestas de sempre e os círculos nos quais às vezes temos de agir como se não tivéssemos outra coisa a fazer, nem contas pra pagar. E eu já tinha enfrentado os ônus todos da minha performance Não alimente a escritora, que acabou na delegacia, após escolta e humilhação pública, em 2010. Não queria mais escrever, não queria mais publicar, nem participar de eventos.
Uma graduação nova é sempre uma forma de respiro e de se obter um passe estudantil, além de que o curso oferecia aulas teóricas de história da arte em todas as fases, além de aulas de performance e de outras linguagens pelas quais eu era apaixonada.
O susto, porém, começou já na primeira fase, quando fomos apresentados às práticas. Eu não fazia a mínima ideia de como era pintar, nem conseguia diferenciar um pincel reto de um pincel redondo: para mim, todos pareciam retos, todos pareciam redondos. Nem imaginava a diferença entre tinta acrílica, guache e aquarela. Tudo que eu sabia sobre diluentes havia sido aprendido na leitura do rótulo das latas de tinta que eu usava para renovar móveis ou entregar apartamentos alugados.
O primeiro desenho de observação que fiz na vida foi o da seleção do retorno de graduado, para a qual inscrevi-me contando que não haveria prova prática, apenas teórica, um erro de informação. Havia uma bibliografia com dois títulos e eu os li com muito interesse. Cheguei lá e recebi um lápis HB, sentei na pior posição do objeto, usei a borracha muitas vezes, fiz o que pude para tentar captar a sombra sobre a mesa e, ao perceber que era tarefa impossível (fui naturalmente a última a entregar a prova), escrevi: "Isto não é uma cadeira".
Passei. Eram 7 vagas, 6 passaram, eu inclusive. Quase dei um grito ao telefone, quando a funcionária me informou. E estava apenas começando.
Foram os melhores anos, preenchidos da alegria de se viver em perpétuo desafio e descoberta. E, se me chateava ter que pegar 3 conduções para ir e 3 para voltar (mais de 3 horas diárias carregando material em ônibus lotados), não diminuía de nenhum modo o fogo de bem-viver daqueles anos, a respiração solar, a motivação e o encanto. Hoje sei que muito da satisfação daquele tempo era a rotina de estudante, a abertura para a construção artística e intelectual, que não se parece em nada com trabalho.
A lâmpada começou a apagar logo depois de me formar, ainda que tenha vivido dois semestres incríveis no atelier de pintura, como professora substituta. Que trabalho fértil, acompanhar o desenvolvimento das pessoas, vê-las produzindo, e pesquisar a linguagem. Aprendi demais. Era muito bom atuar no ambiente onde tive tantos alumbramentos.
Mas já era 2016, 2017, um pós-golpe cheio de feridas, de danação. Posso afirmar que nunca mais fui faceira daquele modo e que, embora tenha conquistado coisas importantes (um cargo público e estável, outras 9 publicações de livros) eu teria vontade de voltar àquele frescor medroso da cadeira no meio da sala, apenas um objeto sobre a mesa, mas vivo, vivo, trêmulo; e ainda me pergunto como desenhar sua sombra.