Baixar grátis Rumor da casa (digital).
Rumor da casa fará 20 anos em 2025. Preparei essa versão dos poemas,
revista e com notas, para disponibilizá-los online, gratuitamente.
Foi um trabalho de poesia em performance, ao qual me
dediquei, de maneira intensiva, durante mais de 4 anos, e incluiu uma
multiplicidade de ações. O Rumor da casa trouxe muita experimentação e
elaboração de modos de lidar com procedimentos de linguagem, mas sempre em
forma aberta, de conversa, de contato. A participação das pessoas com as quais
ele dialogou, principalmente nos contextos comunitários, deixou marcas em todos
os processos posteriores, na maioria das atividades que pude realizar, desde
então.
O Rumor não nasceu
no papel, nem como livro. Esboços dos poemas, nos primórdios do que se tornaria
esse projeto, foram concebidos em várias materialidades e suportes: eram objetos
(de uso cotidiano) e seus sons (daí o título), eram vocalizações, pequenas
cenas. Em paralelo, foram surgindo os rascunhos, que fui publicando no blogger,
junto com os demais textos da época (era o tempo dos blogs). Estudei suas
sonoridades nas próprias performances, entre 2005 e 2006. Muitos foram
discutidos com colegas, amigas e amigos, aos quais agradeço. É impossível citar
todos os seus nomes, tanto tempo depois, mas estão todos aqui.
O Rumor circulou
bastante naqueles anos, seja em circuitos do SESC-SC e do SESC-RS, seja nas periferias
de Porto Alegre e de cidades do interior de Santa Catarina, ou em feiras e festivais,
mais ao sul ou ao norte. 2006 foi um ano de muitas viagens. Performei em
praças, clubes de mães, feiras de livros, ONGs, associações de bairro, um
sem-número de escolas públicas e até em palcos de teatros.
Um livro foi publicado
somente em 2008, com financiamento da Prefeitura Municipal de Porto Alegre,
através do FUMPROARTE, pela editora 7 Letras. Foram impressos, então, 1.000
exemplares, muitos doados a bibliotecas e instituições. O projeto financiado naquele
ano incluiu oficinas nos bairros da cidade, além de novas apresentações do
trabalho ao vivo, mostra final de performances de alunas e alunos, entre outras
atividades. Era minha segunda publicação e foi desafiadora, na época, a tarefa
de fixar em livro um conjunto tão marcado pelo dinamismo da oralidade. O
trânsito entre suportes requer conhecimentos de linguagem tão amplos quanto
profundos, ainda mais quando o projeto reúne textos com origens em
materialidades tão diversas.
Em sua maioria, os poemas
que estão neste pdf. foram, portanto, vocalizados ao vivo antes de adquirirem
sua forma, além de continuamente refeitos. Este material acompanha (como o
livro impresso procurava traduzir, à sua maneira), o arco maior do desenho ou
roteiro básico do Rumor, sem negar o fato de que a performance incluía poemas
do Desconjunto, e outros. Ainda que a sequência do repertório fosse
maleável, alguns trechos e partituras, em seus níveis de interação e de partilha,
eram fixos.
A “casa” era uma imagem
poética e um contorno, mas ficava indicada, em certos momentos, pela presença
de uma pequena caixa de madeira, também livro, de onde eu retirava objetos, e
cujo abrir e fechar (de páginas, de portas) continha, no trecho inicial, algo
de suspense. Tratava-se de uma
fita métrica, um lenço bordado, uma fita de crochê (com a qual eu amarrava /
cobria determinadas partes do corpo, pulava corda, etc.), chaves (que
funcionavam como sinos), um sino antigo, uma casinha de brinquedo, bolhas de
sabão, papel picado em abundância (que eu jogava sobre o meu corpo, formando
chuvas), pequenos espelhos de maquiagem, uma caixa de música com ou sem
bailarina, um balão, apitos para pássaros, entre outros. A casa-caixa se
transformava em livro ou em mala, pela interação – mas, quando era mala,
distanciava-se do poema que citava “malas” (a aparição do objeto geralmente
precedia a da palavra, nesse caso).
Os objetos eram
manipulados no sentido de formar mais camadas junto aos textos dos poemas,
erguendo imagens poéticas mais complexas, com as múltiplas matérias. O
princípio da escolha para a interação entre elementos (caixa|objetos visuais e
sonoros, percussão corporal, ritmo vocal, interação com a plateia, texto) era o
do contraponto: minha preocupação, naquele momento, era evitar toda forma de
ilustração, na reiteração. Eu queria formar “rimas”, mas que não fossem óbvias,
misturando e integrando materiais. Hoje, com mais leituras, penso que no
conjunto maior da performance havia um desejo de materialização do conceito de
harmonia. Objetos, sons e textos eram escolhidos e inseridos de modo bastante
meticuloso no processo, pois tornavam-se elementos que compunham o próprio
poema-performance.
Nem todos os
objetos, portanto, eram utilizados em todas as performances, havia uma
flexibilidade também na inserção desses materiais. A casa-caixa, depois de ser
suficientemente explorada, era abandonada no palco, centrando-se a atenção
apenas nos corpos, meus e da plateia, e na voz. Um único objeto ficava
escondido fora dela, no espaço: um pedaço de cano para fio de telefone,
amarelo, que eu manipulava criando ruídos, como de ventos e de reco-reco, ou
para criar segredo, quando uma extremidade era acoplada junto ao ouvido de um
ou mais participantes. Era, muitas vezes, o último objeto utilizado. Na saída,
eu o levava comigo, enrolado.
O arco maior da partitura
trabalho incluía: um início de andamento muito baixo; aceleração; clímax da
aceleração com o poema “era uma vez o mundo” (que incluía corrida e queda);
breque longo até a retomada da respiração normal e finalização com a recolha
dos objetos e sua reintrodução na casa-caixa. À constatação de que era
impossível recolher todos os papéis picados, seguia a saída, vagarosa, com
despedidas, pedidos de desculpa pela bagunça, referências especiais às pessoas
que interagiram mais diretamente, formando as cenas (quem segurou a ponta da
fita métrica, por ex., ou quem respondeu aos apelos para acompanhar gestos,
como os de sinal da cruz, nos poemas de natal). Em relação às cores, havia
preponderância de branco e vermelho. O figurino era todo em vermelho, com saias
(de crochê ou de malha) sobre collants/roupas de dança, pés descalços ou
sapatilhas pretas, cabelos soltos. Era comum que eu suasse abundantemente
durante a ação.
A versão mais completa do
trabalho incluía cerca de 20 poemas. A ordem do repertório era anotada e fixada
no interior da própria caixa, quando eu não estava segura de recordá-la.
Fotos das performances
estão no meu Instagram (@telmacherer), bem como no blog
telmascherer.blogspot.com e na plataforma Flickr:
https://www.flickr.com/photos/rumordacasa/albums/.
A maior parte das imagens
de divulgação foi realizada em 2008, por Guto Maahs, na época do financiamento
do FUMPROARTE.
Os vídeos foram feitos mais
adiante, em parceria com Danielle Sibonis e com o Castelinho do Alto da Bronze.
Filmamos e editamos o material, na esperança de conseguirmos verbas para um
filme Rumor da casa e financiamento para novas ações. Tentamos vários
editais, na época, sem sucesso. Foi tudo filmado em dois dias, no interior do
Castelinho do Alto da Bronze – uma edificação em estilo medieval, no centro de
Porto Alegre, cheia de lendas e histórias em torno das questões de gênero. Danielle
dirigiu e montou o material, e a locação foi cedida pelos artistas que
mantinham seus ateliês no espaço, através do contato com a saudosa Elen de
Oliveira, a quem agradeço também, aqui, in memoriam.
Desnecessário
reafirmar que a relação entre sons, movimentos corporais e texto, nos vídeos,
não corresponde àquela que era utilizada em cena, nas performances, e que os
vídeos constituem outras camadas e/ou outros trabalhos, dentro do Rumor da casa.
Um movimento com os dedos das mãos, por
exemplo, nos quais as polpas dos dedos se tocam e se alternam, aludia ao gesto
de fazer do crochê (não havia fixidez em relação à disposição dos repertórios das
diversas materialidades, já está dito) e não poderia ser acompanhado por certos
sons de percussão corporal, que também utilizavam as mãos, já que não havia
sons in off ou pré-gravados, na versão ao vivo. Tudo isso tornava muito
instigante a tarefa de pensar uma versão/transcriação em vídeo, cuja mídia
abria um cabedal enorme de novas possibilidades.
https://youtu.be/AR7--hJoHMs?si=oRGJY4p3kF5lheJg.
Foi para os vídeos, também, que comecei a gravar as
versões em áudio, com vocalizações e elementos sonoros. Disponibilizei algumas
dessas performances sonoras na plataforma Soundcloud:
https://soundcloud.com/telmascherer.
Elas estão
identificadas como pertencentes ao Rumor, seja pela imagem da capa, pelos
textos descritivos ou pelos primeiros versos. Naquele momento, eu não editava áudios. Nos anos seguintes, acolhi
novas possibilidades e o manejo dos materiais dos quais dispunha deu origem a
outros trabalhos.
*
O silêncio da casa vazia.
O silêncio das mobílias, dos retratos.
O silêncio do quarto da avó, fechado.
O silêncio de papéis em branco,
de sutiãs apertados sob a blusa.
Nenhum som, nenhum prurido.
O silêncio surdo,
o silêncio ensimesmado dos mortos,
o silêncio das suicidas.
O silêncio de filhos que partiram,
e que não voltem.
Todas as portas e janelas fechadas.
Nenhum aparelho ligado.
Nenhum telefone.
Nenhum radar, nenhum cão.
O silêncio completo
a ponto de ouvir
o silêncio das lâmpadas,
elétrico. [i]
.
Na casa vazia
passou a fome de brilho.
Passou o gosto da fruta,
ficou o copo na pia.
Grudou no sulco do chão
o rabo de um rato morto.
Poeira sobre a TV,
restos de cera queimada.
A sombra da mulher morta
está sentada na sala.
Agulhas ainda repousam
num ponto roto da manhã.
.
Vó Elza tricotava
e me ouvia.
Ela fazia peixes,
viagens a Marte,
toalhas
e sins.
Quando faleceu
a vó Elza deixou
um prato
sujo
na pia.
Vó Elza, quando morreu,
era ainda menina:
não tinha medo de Deus
e nem queria combates
(eu é que sou pequenina).
Vó Elza é uma trama
de náusea e silêncios.
.
Vó Elza cuidava da casa
mais do que dela mesma.
Ela
era a casa.
Seu crochê lhe envolvia
na copa, nos armários,
nas cortinas.
Ela se tecia.
Vó Elza servia na casa
como a linha na almofada:
não lhe faltava nada.
Sempre achei
que os fios
entre seus dedos
não passavam
de cordões
umbilicais.
.
Quem parte?
É a filha da vizinha que vai casar,
é um retrato que ganhou moldura,
são restos de pão na torradeira.
Quem vem?
O silêncio de um livro jogado,
a poeira sobre a TV,
a corrida dos cavalinhos.
Muitos projetos se sonham
e, num esgar,
dão em vão.
No vão da porta
espio a menina
que sobe as calcinhas
e não alcança a descarga.
Essa menina sou eu.
Eu menina
nessa hora
me assombro:
quem me segue?
Aqueles dois olhos fixos,
se renomeando sempre,
como os olhos de Deus.
A menina apavorada
não faz mais xixi.
Presta atenção aos ruídos:
quem parte,
quem vem.
Quer tudo saber
para evitar
o medo.
Sou a velha
que tricota
para poder pensar
e às vezes
fura
a agulha
com a mão.
.
Este dia está perfeito.
Este dia está perfeito.
Este dia está perfeito!
Sexta sem Cristo, nem segredo.
Casa da avó.
eu arrebento
minha janela
e depois rio,
saio correndo.
E depois rio,
saio dizendo
missa cantada em tom feminino.[ii]
Com assoalho limpo:
casa da minha avó.
Com assoalho limpo:
terço preso na mão.
Com assoalho limpo:
saia leve, calça virada,
fora, forte;
dentro, namorada.
No assoalho liso
a pele arde,
passada em gomas,
cores de laranjeiras,
limoeiros, tanoeiros sapos
e mais e mais e mais e mais
leite.
Pulo o muro da fazenda,
canto e cuido as calcinhas.
Vó Elza sorri, acena,
põe o dedo indicador sobre os lábios.
Este dia está perfeito!
Continuo a ser uma neta,
num lance perfeito do vento.
Onde arde, colo com fitas
e crochê.
*
A vida devia ser chamada
para inspeção:
devia ser escrevida, em cada nó
um pesponto.
Mas não: música e lamento,
sono.
Ria fácil, mulherzinha!
Ria fácil.
Ria fácil frouxo.
Como é inútil trançar com as palavras.
*
Eu caio do medo ao caos
e vejo os vultos avulsos
das mulheres assombradas:
Sarah, Virginia, Ana C.
É você
ou sou eu
essa dança de cordas?
Clarice, é você atrás do galho?
Ou sou eu que sussurro,
em frangalhos
--- somos nós,
a vertigem e o soco.
Socorro, Sylvia sumiu do meu contorno,
só a velha bruxa não voou deste lugar
e continuo com o cabo entre as mãos.
.
Não se encontram:
saem escondidas
e vagam
cada uma em si.
Brincam de estar juntas:
tiram cintas e sapatos,
escorregam mata virgem.
Não encadeiam sequestros
nem alardes.
Vão sozinhas.
Vão de branco, quando nuas.
Vão de branco, quando negras.
Vão acesas: incenso, pedidos.
Em amores incompreendidos
elas jorram sêmen puro.
Elas torram objetos:
medalhões, fotos antigas,
fios de cabelo, cuecas, alfinetes
e bonecas várias.
Não mexem as colheres: são colhidas.
Palmo a palmo, esquecidas, têm canções
e brincadeiras tão ardidas
que ainda no dia seguinte
doem, gemem, brigam,
crespam céus e unhas,
arrepiam os cabelos quando beijam
e se atiçam
e então fogem, doloridas.
E sai ferida e caos da casca da vagina.
.
Eu disse: sou uma nódoa.
Ele não respondeu.
Sou esponja e nódoa ao mesmo tempo.
Sou um punhado de sangue.
Sofrida de ação, sem agir.
Sou um dentro, não fechado.
Não sou, como tu, acabado.
Ele respondeu: não quero entrar.
Virei para o lado, como um dente.
.
Instala-se no centro do vulcão
a nódoa, invisível, no teu corpo.
A nódoa
se alimenta das tuas mágoas,
de palavras cruzadas, do silêncio,
e cresce.
A nódoa.
Ela se infiltra
na primeira estrela
e deixa o céu amargo toda a noite.
Finge um canto a Baco,
fica sempre sóbria
e desmorona na primeira esquina.
Postula lucros, testa resultados.
Diz geralmente o oposto do que sente.
Castelo construído pela dor:
a nódoa é transparente.[iii]
.
Ela arde de sol ao meu lado.
Maquiou-se de Clarice e nada vale.
Será sempre a mesma e pura Telma.
Outro dia comprou flores no mercado.
Juntou legumes para a manhã sozinha.
Não era foto, imagem nada,
era só uma vaga, prenha, lúcida
mordedora de maçãs, na feira.
Entretanto, pousa o papel colorido.
Pensou em dar presentes
aos parentes idos,
em massagens e crochês
na fábrica da família.
Pensou em arranjar-se
com um daqueles vendedores,
ter filhos gordos e dezenove anos.
De nada valeu.
Continuava o mesmo ventre
sobre as ruas calçadas,
agulhas de crochê nas glândulas,
o suor no lotação, a mesma e pura Clara.
.
Vampira, te afasta!
Sugaste o meu sonho de pronto,
quiseste beber minha luz,
fizeste o teu santo milagre
e eu magra carrego tua cruz?
Vampira, te enoja,
corre fora de ti e tua gente.
Não dança, não geme, não treme
de medo ou de orgulho;
eu te engolfo no mar, eu te engulo
na boca da água viva,
no centro dessa saliva
de fogo, sua sonsa!
Vai catar a tua pedra na esquina.
Vê se te mira!
Te afasta, vampira.
.
Só e lívida, sorvo Santo Agostinho.
Sei que ele pregava Deus
entre o meu e o mal.
Passa de uma hora e não despi,
não dormi,
nem comecei a
ser mundo.
Prego com o santo
um mundo dividido:
somos sós, somos caixa.
Somos homens e mulheres.
Oito da manhã, ele no interfone
finge um pedinte qualquer.
Então abro a porta.
O santo não fosse gordo,
despia.
Cristo na cruz me segreda,
balbuciando:
Pode pecar que não dói.
Seus sussurros
são de criança
vendo.
À tarde,
estarei
limpando a mancha,
um sangue novo.
Uma dor ao cruzar as pernas
e o santo nem aí.
Mil páginas até o pai.
Mãe solteira,
busco o número da clínica de aborto.
.
Hoje tive alguns pendores
com aquela Ana Cristina.
Ana Cristina era persona.
Eu, personne.
Ela, cansada de ser homem
tirou luvas de pelica, delicadas,
e foi chorar no banheiro.
Isso eu faria, não fosse porca.
Em Lajeado, uma porca matou homem.
Ela dava à luz quando acudiu o agricultor.
No culto da criação, ele era demais.
Ela devorou muito da sua carne.
Sobre o porquinho, ninguém falou.
Talvez por isso eu seja pouca
devorando cartas, maus poemas
e cassetes bossa-nova.
Quando me amansarem,
serei Pessoa nenhuma.
.
Há bolhas vermelhas no cinza da criação.
Há sólidos escorrendo pelo meu sangue.
Desconheço as dores, não tenho passado.
Talvez passei por montanhas volumosas
e traquejos.
Talvez fui princesa, ou mártir.
Agora sumo no sem-fim de nuvens.
Sei que esperas lá no fundo.
Teus dois olhos abertos como um livro.
Teu desejo escondido nas calças.
Como bolinar teus seios de sereia
atrás de muros pálidos,
pichados?
Não há Letes.
Não me Safo
nem que eu faça
outra História.
*
A aranha armadeira não tece.
Seu corpo mede apenas uns centímetros.
Com as patas estendidas,
é pouco maior do que uma mão.
A aranha armadeira faz toca em sapatos,
no fundo de armários e em roupas.
É fácil distingui-la. Seu veneno é letal.
Ela adora se esconder em cofres e vestidos de noiva.
A aranha armadeira é noturna, marrom-acidentada.
Não tece, mas pode pular um metro.
Ela tem duas garras frontais.
Desaparece quando estou sozinha.
Geralmente faz visita às dez horas da noite.
Eu digo: Oh, e agora, meu bem?
Ele puxa a vassoura, eriçado.
Eu estendo um pote de vidro.
Não admito matança.
Ele sua.
Ela levanta, arma o bote,
depois cai direitinho na armadilha.
Ele leva potes e potes pra casa, troféus.
Eu sei quando ela virá de novo.
Trabalhamos em cooperação.
Ele não percebe. Considera-se um herói.
Depois de tudo isso, ele me abraça morno, eu
digo:
ainda bem que tenho você, meu bem,
o que seria de mim?
Oh, oh, oh.
E sempre adiamos o casamento.
.
VINICIUS, A MORAL
Fizeste um traço no ar
e surgiu aquela rosa.
Fizeste um risco no chão,
veio um pedaço de busto.
Depois colocaste pernas,
graveto enfiado na areia.
Foste colando espumas,
os olhos, os fetiches.
E quando levantei
vi as mãos em movimento.
E quando levantei
vi as mãos sonsas do invento.
E quando levantei
algo sumiu: alguma dor.
Avoada, nesse vento,
eu não sabia andar.
.
Eu não gosto dessas palavras de amor.
Se amor me seguisse,
assim inafiançável,
eu o cantaria em coisas bem pequenas.
Um sabonete.
Um prato de comida quente.
O amor escovando os dentes
e dormindo abraçado
com dores e dores nas costas.
Não creio em eternidade.
Esse canto de para-sempre
sulco no chão cheio de pó:
um canto árduo de engolir,
vazio, sem mobílias, sem quadros.
No corpo, nesse eu acredito.
Esse corpo eu conheço, quero bem.
Enrugado, dolorido, terno:
esse eu canto
como quem fecunda.
Rezo missa.
Para ele
nada basta: só a náusea.
Náusea, fome e desespero,
mendigo pedindo mais
e mais e mais e mais
amor. O corpo, sim, é eterno.
.
Meu amor previu
a partida
pelas frestas.
Se enfiou em camas,
fez sestas,
serenata e desdém.
Não adiantou.
Dei todos mais lindos
presentes
e ele fugiu.
Fugiu no medo
de uma mesa listrada:
dois garfos
no descuido
jogados,
nenhuma
panela
no fogo. [iv]
.
Vou te dar uma agulhada
pra você caber em mim.
Eu sou o dentro,
você é você.
Você tem nome,
tem nome de rua, tem cor,
sim, você tem nexo.
Eu sou o reflexo.
Sou: Entre, por favor,
fique à vontade.
Sou de comer e de dormir.
Em meu espelho,
eu não sirvo seu sexo.
Aqui, no fundo, eu armo o bote.
Tenho dote, tenho agulha.
.
UM HOMEM É UM OCO:
UM FOCO EM ZONA INDEFINIDA
Um homem é um todo em partes,
partida.
Partido: um homem tem muitas certezas.
Não suporta dor de parto.
Tem barba, mau cheiro,
maus poemas.
Os homens gritam, pedem socorro,
mamadeiras,
sussurro e perdas.
Quem há de ser, quem há de vir,
quando a hora assombra?
Até tu, bruto, fugirá.
.
Pior é o silêncio
de dentro.
Não falar
mesmo que haja
boca
e Deus
no gesto,
quando tudo se derrete
de lilás.
Não deixar escapar
o canto
onde o dia
e seus resíduos
limpos
sábios
amordaçam a sala.
Não falar
porque a pele
e o desejo
e o riso
e a forma
virão amanhã:
amanhã, sem pressa.
Pior é o silêncio que espera
vacilante e sem falta
até
que a luz desse banheiro,
que o canto da cozinha,
a mancha na parede
disquem, gritem.[v]
*
Olhei fundo em teus olhos
e vi grades.
Grades
onde um dia
foi poeira de estrela,
cicatriz
onde um dia foi a praia.
Essas grades te vão dentro
tecendo:
tu,
escultura em ferro
e corte,
estrutura prática
para as guerras do mundo.
Num dia do teu passado
te roubaram filho.
Num dia do teu passado
enfiaram arma em tua mão.
Num dia do teu passado
atiraste até ficar surdo,
te fizeram faca.
E queres tu, gigante vazio
na cavalaria
da estrada
que eu me junte
à tua faina,
mas não posso.
Não posso.
Há sobras em mim:
uma sombra de ressaca,
a poeira das estrelas,
o frescor que a faca
não roubou.
.
Tem samba na casa cheia.
Tem avó e tem sobrinha,
noras e genros perenes:
é como se uma família.
Nós, o ruído constante
de gargalhadas, de copos,
garfos e facas nos restos,
fazem até melodia.
Tem samba na casa cheia.
Tem netos, muitos passados
sonhos e tempos trocados,
futuros desplanejados.
Tem samba na casa limpa
cheia de gente mofina
que chega da vizinhança,
toma um maiô emprestado
e quer nadar no convés.
Tem samba na maré fria
e esquecemo-nos todos,
sonhamos o barco calmo
ele nem liga pro mar.
Quem liga no que vai dar
se tudo vai dissolvido,
tempero, risos, desgostos
no samba se confundindo.
.
A vida devia ser chamada
para inspeção.
Esmurrada contra o muro,
a vida precisa de arroz
e fúria.
Ela se esquece de mandar recados,
de pedir auxílio, de negar passagem.
O que é vivo se esconde
e grita:
A briga explode na madrugada.
Um assalto.
Meninos puxam dinheiro,
velhinhos puxam conversa
antigos xamãs
dão de ombros.
E a vida, quem a detém?
advogados?
livros?
fantasmas?
Ou essa pequena foto
que trago comigo:
nós, na praia, nus,
no amarelo.
Ou
essa
pequena foto
que
trago comigo:
nós,
na
praia,
nus:
no
amarelo.[vi]
.
Tuas malas, aonde vão?
Empilhadas, uma a uma,
pesam-se.
Cada qual
esqueceu
a sua história.
Cada uma, um sepulcro
de vielas e esquinas
de tropeços e bilhetes.
Sabe lá para que festas
essas malas te levaram.
Foram, talvez, seguradas
por um triste namorado?
Fizeram, talvez, negócio?
Pediram desculpas?
Agora presas no armário
elas são puro segredo,
náusea e riso comprimido,
pedido desesperado
de perdão.
Preso no forro, escondido,
talvez remendado
um retrato
segura as tuas malas
de pé.
.
Aqui
no quarto dos fundos
do velho apartamento
juro com lagartos
os últimos detalhes
de um crime passional.
Enquanto, lá fora:
o circo retumba e bombas
massacram mulheres afegãs.
Tenho os olhos presos
nesses palhaços idos:
falta só marcar a hora
e seremos
dois fricotes de viola
frente a frente
pelo salão imundo
(a plateia geme).
Lagartixas vêm de trás
dessas páginas sempre lidas:
times magazine, times magazine.
Receitas, veneno e cólera.
No caldeirão aceso
duas bailarinas brincam.
Enquanto, na América,
algo exótico se anuncia:
Quebraste a perna!
Nas tuas torres,
nenhuma Ismália.
Quebraste os olhos!
Palhaços elogiam
essas minhas sapatilhas.
Quebraste ouvidos!
Choro no trapézio.
Aqui
no quarto mundo
não se cometem crimes
sazonais.
*
Agora é necessário
que o dono das costelas
tire a roupa
e desabe no chão.
E sinta o peso, nessa gravidade,
cabelos colados no rosto.
Ele terá essa textura:
grãos de arroz, farelos.
Pós de estrela. Céu nos pés da mesa.
Cabeça zonza, estômago embrulhado.
Luz sobre os lençóis. Nuvens de assoalho.
Assim, estendido, o dono das costas
pode ser uma música.
Ser uma música.
Depois levantar, despercebido.[vii]
.
Era uma vez
o mundo.
Depois vieram os
demolidores do mundo.
Depois vieram os
engolidores de fogo.
Depois de depois
restou só um sulco
cravado
na madeira.[viii]
*
Peguei Deus em flagrante.
Ele estava maquiado
e de pareô.
Chove sobre mim, Deus!
Do teu sêmen farei
o café da manhã.
É fácil
nascer de novo
depois da chuva.
*
Está tudo pronto: a casa limpa,
os pacotes na árvore, os pedidos.
Está tudo arrumado: os enfeites,
os soslaios, pais aflitos.
As crianças estão vestidas,
os adultos, asseados.
Falta só a chegada do Papai Noel.
Perdido, preso no trânsito,
com contas a pagar,
um homem de pânico.
*
Diante de nós
ficava repousando
e fingindo de braços estendidos.
Não me arrependo:
pelos séculos quis ficar imóvel,
pregado acima das cabeças,
incômodo.
Deixem-no dormir!
Vá pra cama,
eu vou depois.
*
Era preciso preparar a loção de barba
para desfazer Deus.
Depois penteá-lo direitinho,
maquiar os olhos.
Vestir-lhe uma bata indiana,
exibi-lo em pleno parque.
Ai, velhinho, eu pedi um amor
mas no teu saco vermelho
veio um recado:
quem peca
há de ganhar presente
só no céu.
.
Fechei todas as portas.
Há veneno de rato pela casa.
Fico quieta horas inteiras, espero.
Tenho medo do branco e do lençol.
Essa casa tem os seus subterfúgios.
As janelas para azul e para o negro
abro e fecho uma a uma, como livros.
Fujo.
A violência espera em quartos.
Vejo estrelas no teto
a dançar:
dançam, dançam,
porque eu me giro toda,
olho o teto enquanto danço, danço.
Nessa casa há portão e nem saída,
e as agulhas ainda dançam na minha mão.
Pega tu nessas agulhas,
livro aberto.
É tudo uma questão de tempo,
e estamos sós, tu e eu, aqui dentro.
.
Então ficas aí, nessa poltrona,
procurando o canto mais quente da cozinha,
a beira onde se esgueirar,
a trégua de toda ação,
teu visor e teu prumo certo.
Tua cólera espalhada por todas as madeiras.
Enquanto o veneno não dissipar os ratos da casa
no teto
não poderás subir.
.
ADÉLIA,
Chamar Deus de fia-da-puta
não é nada.
Ele entende.
O pior é se odiar
ouvindo Bach,
escrever sobre mediações
e Descartes.
E as cartas?
É como ter pai e mãe
e nunca ter visto outro.
Só pai, pai, pai.
Fecha a perninha.
Vai sozinha?
Com essa saia
você não sai.
Que horror, Adélia,
estragou de novo
meu computador
e com dor vou te escrever:
o melhor não é Pasárgada,
é ouvir Minas, ter você.
Adélia,
vivo na cidade,
há semáforos, mendigos.
Peço imploro
venha para a Feira do Livro
dê-me ao menos um autógrafo.
Não quero essa risada de fantasma bêbado.
Fui feita a pinceladas e com cólicas.
Só você pode me salvar.
.
Sangue
em mesas de parto:
ligaduras,
estilhaços.
Um aborto
gera despesa
e paz.
Dia de nuvens
no parque:
um domingo
passado
a ferro
e o sol
queimando
para os namorados.
.
Fecho num ponto aos homens
todo punhal e o portão.
Dou-me às pequenas maldades:
aparelho doméstico, caixão, alguma agulha
e linhas.
Renovo saias, costuro meias
com Afeganistão.
Dei à luz um novo quadro, agora limpo:
barbas brancas e ainda só no céu.
Batem à porta
Santo Agostinho,
o preto velho, um idoso,
o guarda
e o gordo da televisão.
.
Conheço as reentrâncias desta casa.
Conheço as falhas no carpete, os vidros, os
cantos de pó.
A mancha na mesa de madeira,
o sulco na parede da cozinha,
o furo para o quadro que não veio.
Conheço os brilhos desta casa.
Na manhã, o sol que invade a sala, o quarto
escuro.
Conheço os cheiros desta casa.
O lixo da cozinha, sabonete, xampu.
O calor do banheiro, no verão.
O cheiro da TV novinha. O mofo nos armários.
O ruído da chave na porta, depois os passos
pesados.
Ela entra.
O som da pasta na mesa, suspiro na geladeira.
Aquelas três batidas da escova na pia.
Abrir e fechar a porta do guarda-roupa.
Puxar a descarga.
Acender o fogão.
Tirar as sacolas e depois deixá-las na porta
e juntá-las na saída.
Ela sai.
Fico parado.
Pra que quero conhecer outras paisagens?
A mosca agora mesmo pousou na minha janela.
.
Senhor ladrão, fique à vontade.
Veja a porta, destravada.
Veja essa carta na mesa.
Temos bons discos de jazz,
já o computador, pifou.
Veja os copos pra lavar
e as calcinhas no varal.
É preciso pagar as contas,
é preciso comprar cachaça.
A varanda ferve.
É preciso fechar as janelas
e ligar o ar condicionado.
Senhor ladrão, fique à vontade.
Há um tantão de pele nua
debaixo do cobertor.
Senhor ladrão, fique à vontade
se quiser vir de novo amanhã.
.
Penetram-me
palavras
(mais que todas)
no pulso.
Sons
sobre muros
de silêncio
e olho.
Sons
sobre o mundo,
e dentro:
dentro de mim
há o soco
do som.[ix]
[i] Na versão em livro,
tentei traduzir os movimentos de hesitação em relação a esses pactos
estabelecidos com o público com uma página em branco (cuja virada equivaleria à
“entrada” na casa). vidraça fechada: /
do lado de fora, / nada. E, ainda: Um
ruído de chaves: / alguém entra na casa. / Conversa quase parada: / há um rumor
na casa. // Você / ouve? – foram textos escritos para o livro, que procuravam
criar esse ambiente de instauração da cena.
[ii] Esse trecho tem o verso alternativo “muitas mazelas
do ser feminino”, por vezes explorado nas vocalizações.
[iii] Poema que foi muito alterado pelos percursos. A versão que saiu em livro
recebeu críticas de diversos colegas, que manteriam a versão apresentada ao
vivo, a qual transcrevo abaixo.
Castelo construído pela dor:
a nódoa
invisível, dentro do teu corpo.
A princípio despercebida,
ela se instala no centro do vulcão.
E cresce e se alimenta de mágoas,
olhares trocados, palavras-silêncio.
A nódoa.
Ela se infiltra no surgimento da estrela
e deixa o céu amargo toda a noite.
Finge um canto a Baco, fica sempre sóbria
e desmorona na primeira esquina.
Ela se alimenta de opiniões.
A nódoa.
Ela serve aos bons negócios e aos comerciais.
Diz geralmente o contrário do que sente.
Postula lucros, testa seus resultados.
Não acredita no amor, desmente.
A nódoa é transparente.
A nódoa não convence mais ninguém.
[iv] No livro, constam os seguintes poemas (não vocalizados
nas performances, nem filmados):
É noite e queria dizer:
- Não vá ver os montes,
sossegue.
Deixe pra lá,
volte pra cama.
Nossa casa era vazia
de brinquedos.
A filha de Lesbos
nadando,
cadáver.
Sylvia,
meu filho nadando
nas sombras,
nas frestas das madeiras,
nas lembranças.
É noite e queria dizer:
- Não vá ver os montes,
sossegue.
Deixe pra lá,
volte pra cama.
.
No ofício da carne
ninguém é mais,
é sempre menos:
menos o que lavra,
menos o que olha.
Melhor é ser mais
pensando menos.
No sonho da carne
tudo é ósseo, vão:
vão o lamento de saber.
Não intento.
Eu, que olho mais
e sofro menos
pouco sei
do ofício do sabre.
[v] O final não era este, na
época: Pior é o silêncio que espera / paciente / e sem falta / até que a luz deste
banheiro / até que o canto da cozinha / e a mancha na parede / lhe pareçam // ensurdecedores.
Briguei muito com esse final, durante anos, e achei depois esse alternativo
"disquem, gritem".
O Rumor da casa,
para mim, tinha de ser um trabalho sobre o escrever (sobre a mulher que
escreve) tanto quanto sobre as condições de possibilidade dessa escrita,
marcada por um ambiente de enorme disparidade e pelas violências de gênero. As
primeiras performances que fiz, no teatro da UBRO, aqui em Florianópolis, bem
no início do projeto, lá em 2005, começavam com um poema sobre silêncio e
terminavam com a palavra “som”. Posteriormente, inverti essa relação, trocando
a sequência, e aderi a diversas outras maneiras de compor o repertório, sempre
movente. Por vezes, funcionava mais como denúncia e, em outros contextos, até
mesmo como uma espécie de rito, alquimia.
[vi] Aqui, a performance incluía o espelho (objeto
presente ou sugerido pela palma da mão) e movimentos laterais de braços e
cabeça, lado a lado. Na repetição dos últimos versos, ralentava-se o texto na
voz, mas não sempre no gesto. Em geral, esse texto marcava o momento da
desaceleração e da ternura.
[vii] Este poema não era
vocalizado, nem consta entre os textos que compõem o vídeo: ele se tratava, a
meu ver, de um texto para ser lido no livro, seu melhor suporte e forma de
apresentação, mas não chegou a uma forma satisfatória, e sofreu alguns ajustes,
aqui. Caso de vários outros textos produzidos no período, que chegaram a ser
publicados no blog, mas acabaram não compondo nenhuma publicação.
[viii] Esse poeminha era repetido inúmeras vezes, durante a cena, e tinha a
função, nesse ponto da performance, de explicitar a 'deixa' de que a casa não
se referia apenas ao ambiente doméstico, e que a seiva dos conflitos que moviam
a escrita não era fruto de uma experiência individual, e sim de uma reflexão
mais abrangente. Falado em caminhada sobre os papéis picados, incluía
aceleração, clímax e queda, seguida de um longo breque, com sons de respiração.
Em cena, ainda com a respiração trêmula, por vezes eu vocalizava o poema que
segue (não publicado em livro). A vocalização não incluía três versos, a partir
de “como Clarice (...)”.
Unhas compridas sob o
lençol,
a onça dorme.
Se um ruído a despertar,
mostrará os dentes,
em evasivas
(como Clarice, na
entrevista),
apoiando braços e pernas
para o salto que come o
visor.
A onça assim, silenciosa,
tem a pele sem estupores.
Posso inclusive tocá-la,
beijar de leve seus seios.
O sono é pesado,
e a mão descuidada.
Viro para o outro lado
e um puxão de cobertor
derrete o teto
que me abraça,
sólido.
Vários outros poemas que
caíram no livro impresso eram usuais nos repertórios da performance,
especialmente nesse ponto da ação:
despir-se
gota a gota
cacho por cacho
frente aos olhares medrosos
despir-se quando já nua
frente aos rasgos
no chão de pedras
a multidão avassala
são pares de lunetas
vibrando consternadas
despir a teia de falácias
até que reste a corda
na imensidão da pele
[ix] Esse último poeminha do livro era canto-falado nos trabalhos, com uma
percussão corporal que o acompanhava, de batidas de coração. Eu o utilizava
para abrir e fechar performances breves, quando não havia a dramaturgia
completa da cena com a caixa-casa-livro.
SCHERER, Telma. Rumor da casa [recurso eletrônico]. Florianópolis: Edição da autora, 2024. 2ª ed. 55p.


frames do vídeo Rumor da casa, Telma Scherer e Danielle Sibonis, 2013, 10min54seg:


Dois poemas podem ser conferidos no youtube:
http://www.youtube.com/watch?v=oDnT1M1wgUM
http://www.youtube.com/watch?v=zqdfAvb9RBo
O projeto
Poesia no papel, no corpo, na fala do outro. O Rumor da Casa foi um projeto que contemplou a poesia em várias interfaces. Performances de poesia e oficinas-laboratórios aconteceram entre 2005 e 2010, com foco na integração entre verso e corpo, entre diversas linguagens que atuam no fazer poético. Foi importante cativar o olhar do outro, oferecendo subsídios para que este fizesse o seu próprio trabalho. Ocorreram oficinas em comunidades afastadas do centro das cidades, em Porto Alegre e no interior de SC e RS.
Desde 2004, eu vinha ministrando oficinas de poesia, performance, haikai e criação poética. Fiz as performances Poiesis Desconjunto (2001), Páginas de Estréia (2002), Sarau Cênico no Hospital Psiquiátrico São Pedro (2004), Pocket (2005) e intervenções urbanas com o grupo Mimeógrafo.
Também trabalhei com o grupo Teia de Poesia, realizando saraus poéticos desde 2002. A poesia falada sempre foi um foco de atenção e desejo, que pude aprofundar no projeto Rumor da Casa, contemplado pelo Fumproarte em 2007 e financiado em 2008.
O livro parte da imagem da casa para entrelaçar vozes e figuras femininas. A principal delas é Vó Elza, que ficava todos os dias em casa, fazendo crochê. Confinamento, violência e o revidar das agulhas faziam parte do seu cotidiano.
A poesia, para mim, é um pouco como o crochê da Vó Elza: ela tecia com suas linhas, enquanto eu teço com palavras. A influência de poetas como Ana C, Sylvia Plath e Safo também permeiam o livro.
O Rumor é, ainda, o percurso de uma fala: ele inicia com a palavra “silêncio” e se conclui com a palavra “som”.
Tudo começa no silêncio de uma pequena caixa branca. Da caixa, conforme os poemas são falados, vão sendo retirados alguns objetos.
Cada vez que a caixa é aberta, surge um fio do crochê de memórias. A casa abre suas portas diante do público, convidado a interagir.
Olho no olho, toque, interação entre performer e público. Símbolos da infância, sons ritmados pelo corpo percussivo, suor e muita movimentação cênica.
Voz, movimento, objetos cênicos e interatividade foram os elementos que teceram o espetáculo mínimo, intimista e maleável.
A performance habitou lugares como a rua, o saguão de escola, praça de alimentação de shopping, reunião de clube de mães, pátios, esplanadas, salas de aula e pequenos teatros. O trabalho circulou em SC pelo SESC, integrou programações de feiras de livro como as de Porto Alegre e Lajeado, e também a Bienal da Une, o Salão de poesia Psiu Poético, o festival Porto Poesia, a Festipoa Literária e a programação das livrarias Saraiva de Porto Alegre.

Oficinas

As oficinas aconteceram nas bibliotecas comunitárias da periferia de Porto Alegre, na Usina do Gasômetro e em feiras de livro, dentro da programação do SESC RS.




Mostra de resultados das oficinas Rumor da Casa, Sala Álvaro Moreyra, outubro de 2008. Na ocasião, apresentaram-se quatro turmas: duas do centro, uma do bairro Cristal e outra do bairro Restinga.
