segunda-feira, 14 de agosto de 2017




Eu tenho fome é de parede branca, lisa,
sem uma marca de prego ou arranhão.
Tenho fome de parede coberta de tinta espessa,
fosca,
enquanto as portas e janelas brilham
da mesma camada grossa de tinta esmalte.
Quero uma parede tão bem pintada
que ninguém possa ante dela deixar de suspirar
como Dalí suspirou diante de uma porta
tão bem pintada
que os quadros ali pareciam
aos seus olhos
ainda mais mal feitos.
Quero uma parede branca,
sem marcas, sem quadros, sem porta,
sem teima ou esmalte, sem Telma
onde eu possa simplesmente sentir
o nojo e a raiva das coisas impostas,
do sono e da sombra sem explicação.
Uma parede sem voz, sem vincos, sem rugas
sozinha no seu peso de parede, de coisa,
de suspiro que não mata nenhuma fome.
Eu quero é sentir essa fome,
depois fazer uma fenda, um furo por onde eu possa
surdir o fosso fundo de todas essas águas.