Squirt























Uma mulher tem dois seios
e pode escrever sobre eles
se ela quiser.

Uma mulher pode escrever enquanto
os seios repousam na beira da mesa
(de repente doloridos, inchados,
inertes a qualquer averiguação.

Ela pode escrever, distraída
enquanto
sobre os seus seios pousa também
o olhar
de um homem
que não olha senão para o seu livro

mas que
em momentos estranhos
(quando ela fica estranha)
desvia os olhos do livro
para os seios

e mais
se estão ali, sobre a mesa,
como dois guardiões da linha.

Pessoas sem seios
pessoas sem útero
- ela pensa - têm mais tempo
porque não precisam
se livrar do que não têm:
a mágoa, a dor e o inchaço

o aperto do sutiã, e o ser olhada
quer se queira, ou não.

Um homem tem dois pés
e não doem, repousam sobre o puff
enquanto ele olha para o livro.
Ele carrega teorias
como quem
masca a argamassa

e já comeu
todos os tijolos.

Os pés da mulher grudam
na superfície do assoalho
antes de deslizar.
Eles precisam sentir o chão
para que ela possa
talvez escrever - talvez
escovar os dentes
(com suas raízes
finalmente encobertas
por esse olhar
molhado em tédio.

– Está com fome? – ele pergunta
em sinal de que ela se entranha.
Ela sempre está com fome e
comeria um novilho
com seus seios
assim
doloridos, surdos e
de repente - novinhos em folha.

Então ele pode
deitar fora a argamassa e
usar seus pés, tirá-los do puff
afiar as facas
na cozinha, como um samurai
depois cortar os bifes
gordos e sangrentos que lhe dão
um certo nojo.

Eles comem tudo e
comeriam
as telhas da casa
e todo o conteúdo
da caixa de gordura.

Uma mulher pode engordar
- se ela quiser
pode cuspir, pode
ficar parada, guardiã de si
por longos pontos e
linhas retilíneas
- ou curvas.

Ela não precisa
ser uma mulher
que tem um homem
que corta os bifes.

Ela pode
segurar com as mãos
as pernas assadas
de um cadáver
- e roer
a pele dos dias, dura
como todos os tijolos

que saem dos seus lábios
quando ela escreve, distraída
a respeito de
puffs e dos paus
e dessas facas
(que não existem) mas
gozariam
entre os seus dois
seios doloridos.



*


Squirt é semifinalista do prêmio Oceanos

Release: 



          Squirt, de Telma Scherer, está entre os 54 semifinalistas do prêmio Oceanos 2020, anunciados no dia 25 de agosto. Um júri de 88 profissionais das letras escolheu 22 romances, 22 livros de poesia, 5 coletâneas de contos e 5 de crônicas entre 1.872 obras, editadas nos três continentes, por 34 editoras. Squirt foi publicado pela Terra Redonda, uma pequena editora radicada em São Paulo, que surgiu no ano passado com uma coleção de seis volumes de poesia.

Telma Scherer publicou, em 2019, dois livros de poemas e um romance: Squirt e O sono de Cronos, pela editora Terra Redonda; e Lugares Ogros, pela editora Caiaponte, de Florianópolis. Squirt e O sono de Cronos integram a coleção Verso universo, coordenada pelo poeta André Setti. São livros que se complementam, explorando universos temáticos próprios, através de recursos de linguagem similares. O poeta Ricardo Aleixo, que assina a orelha de O sono de Cronos, afirmou que “A poeta demonstra rara competência no manejo das camadas fônica e visual do texto, o que por si só já a distingue”. Segundo ele, Telma Scherer “é prova de que a poesia brasileira guarda ainda muitíssimas riquezas”.

Todos os poemas do livro se relacionam, propondo um percurso de imagens nas quais o tema do corpo e seus desejos se desdobra em múltiplas abordagens: políticas, afetivas e existenciais. A relação erótica com o mundo, apresentada do ponto de vista feminino, inclui referências à filosofia, à tradição histórica e literária ocidental, ao rock’n’roll e a artistas de diversos períodos. A imagem da capa é proveniente de um trabalho da própria autora, que é formada em Filosofia e em Artes Visuais, e atuou como professora de pintura, um dos temas explorados no livro O sono de Cronos.

 

“Com versos que faíscam e fascinam, SQUIRT flerta com o surreal, porém sem se afastar da realidade e suas agruras, as lutas do dia-a-dia, internas e externas, sociais e íntimas, do amor e suas ausências, da arte, do corpo, das tintas e das línguas, em seu duplo sentido, assim como tantos outros duplos e múltiplos sentidos surgem ao longo da obra.

E são sentidos, assombros e espantos talhados com a chama do encanto e da raiva, instigando, com o fogo das palavras, o velho e novo mundo, pois “corpo aberto é o mundo, o mais impenetrável dos sistemas”.  (Texto de André Setti para a orelha de Squirt)

 

 

A autora

Telma Scherer é professora de literatura brasileira, na Universidade Federal de Santa Catarina, desde 2018. Cursou o doutorado, entre 2012 e 2016, na mesma instituição, com período de doutorado-sanduíche na Universidade do Porto, Portugal.

Nasceu em 1979, em Lajeado, RS, e viveu mais de uma década em Porto Alegre, onde cursou a primeira graduação, em Filosofia, e o mestrado em Literatura Comparada, ambos na UFRGS. Telma Scherer atuou em diversos projetos de formação de leitores, realizando performances, palestras e oficinas literárias nas comunidades periféricas da cidade de Porto Alegre e também no interior do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, através do SESC/SC, SESC/RS e diversas instituições culturais. Esteve à frente do grupo Teia de Poesia, que organizou saraus de poesia falada, na capital gaúcha, durante uma década. Como performer, Telma Scherer realizou diversos trabalhos solo, como “Depois da água”, “Rumor da casa”, “Não alimente o escritor” e “O sono de Cronos na minha barriga”.

Estreou na literatura com o livro de poemas Desconjunto, publicado em 2002 pelo Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul. Seu segundo livro, Rumor da casa, saiu pela 7 Letras, em 2008, através de financiamento do FUMPROARTE, que lhe concedeu ainda, em 2009, o prêmio Décio Freitas para pesquisa, formação e criação. Em 2014, através do prêmio Elisabete Anderle, da Fundação Cultural Catarinense, publicou Depois da água, pela editora Nave. Como resultado de pós-doc em Processos Artísticos Contemporâneos, realizado no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UDESC, onde também lecionou pintura, Telma Scherer publicou o livro híbrido Entre o vento e o peso da página, pela editora Medusa, de Curitiba. Na área da prosa, publicou o romance Lugares ogros, em 2019, pela editora Caiaponte, de Florianópolis, e prepara a publicação do romance As avessas, pela editora Ipêamarelo, de Itajaí.

 

 



Squirt, editora Terra Redonda

R$ 35,00

14 x 21 cm, 88 páginas

ISBN: 978-65-81026-13-4

https://www.terraredondaeditora.com.br/product-page/squirt-telma-scherer