domingo, 27 de setembro de 2015




isso aqui é Brasil, meu querido, aqui não se bebe sangria. aqui as frutas são mais do que doces, e o que consome nossas têmporas é o mesmo que os diamantes: o corpo forte e azulado que não teme o riso das crianças. isso aqui é Brasil, meu querido, erigido pelos braços e pernas, pela musculatura tênue dos que não têm atenuantes. isso aqui é ferida, querido, é mina, é umbigo do mundo e de suas desgraças: as que não dão graças e que só sambam de graça na cara do sábado, quando não há outro aval. é aqui que se consome o sangue escuro sem cupinchas, é o balão que desincha de graça, querido, quando não há carnaval.




quarta-feira, 23 de setembro de 2015



esse musgo não é musgo, é mar. você não está vendo as crateras? são pontos brancos mas de fato  buracos negros. tudo some pelo tempo. ele come, come, come, como no poema do João Cabral com que não sonho. por acaso são proibidos sogni di fine estate, ou sonhos de primavera, ou sons de pássaros que inundassem a fotografia e aquilo ali vermelho virasse a carne do filho que não nasceu? tudo pode, bobinha, você é quem não permaneceu na linha clara e distinta das brisas que se acometem para os que sabem a diferença entre isso e aquilo. você mordeu os que dão declarações precisas. você mordeu os que lidam com cifras e com códigos geralmente endereçados aos que ao dinheiro. e por que põe esses aos aufs wows e outros sons assim? porque quando não se tem nada a dizer, é preciso ênfase. e essa fotografia não é mais que a pele de minutos, a membrana que envolve esse mistério todo de ter carne. é sim, é pedaço de nadinhas mas que existe. e pesa. e quebra peso. e merece ser fotografado porque não há nada além desses minutos. mas a foto é ruim. é sim, flor, é mesmo pura faca. tão ruim que me faz sonhar com mares e areias que dela se desenvolvem porque não há mais o que olhar quando o peso dos metais se bifurca em alumínios. digo sais de prata. digo sais, que poderiam ser mar. mas o mar é falso onde ele realmente existe. é sempre mais adiante mirar mar. por isso pedras são cordões umbilicais.



domingo, 6 de setembro de 2015


não me diga Voltarei, Volto Cedo, o intervalo não é de almoço. o intervalo é uma folha de almaço toda quadriculada. sobre ela, se rabiscam símbolos como os dos oos cosmológicos que pessoa adivinhava. não me diga que Pessoa se punha de pé antes de anoitecer só para dizer que seus cálculos desdeziam. todo o cálculo desmente, mas não é para pôr recados em cima do balcão do bar que esta caneta serve. ela cede ao vácuo, à frente, à tentação de se ir de volta ao mar refugiado. não me diga Panta Rei, oh Vias Crucis de santos soslaios, porque o dia do Divino já passou e anjo nenhum comprou corujas. na feirinha de artesanato havia leões, patos, cachorrinhos, e todos os anjinhos queriam o mesmo agrado: um tambor para tocar antropologias sempre que se põe um preço no papel.



quarta-feira, 2 de setembro de 2015




só mesmo as mínimas alminhas bloqueiam do facebook como se isso apagasse suas muitas dívidas. é execrável e rastejante servir-se do outro como de sobremesas, depois comer o limo e pó de tapetes miseráveis, e sair às vagas pelos rumos de uma vida só de cliques. é típico dos sem sol viver sob faíscas de flashs que reluzem o minuto e não aguardam. saber esperar é daqueles que não se põem no lixo, e não agradam, e comem no sumo da sobremesa o que eles mesmos temperaram desde a água do café.
porém as manhãs são deliciosas apenas para todas as mães e, às vezes, também para os que acordaram cedo - não porque o árduo rochoso de montanha consome a força-tarefa,  mas porque é realmente bom planejar antes. diz-se que os que mais excluem tornam a revoltar as iras médias em quarenta e cinco segundos. um minuto de conversa pode ser um século em tesouros, mas há que se abrir para os silêncios que se desgastam leves enquanto queimam incensos. e esses momentos são raros como os bons poemas nas suas timelines. os bons poemas são raros porque são precisos, e não se compartilham pelo facebook. eles moram na montanha mais pesada, para onde não há nada que se inclua.
compartilhar nem sempre é da partilha, porque a partilha se faz ao pé do fogo. e quem não sabe se ver matilha, por mais que se apresente, nem tente, porque só se exclui de seu próprio tempo.



terça-feira, 1 de setembro de 2015



o diabo à solta no Jardim das Virtudes, o diabo desce a colina ao lado do Largo do Viriato e se esconde entre glicínias, à espreita. quando anoitece sai, como os outros visitantes, pelos buracos da cerca.
o diabo cerca o Cerco do Porto e abre suas portas para todos os marroquinos. e alveja nossos azulejos de quatrocentos anos atrás. o diabo está sempre detrás do cedro, e cai com as folhas, sem estrépito, quando passam os guardinhas. o diabo sempre tem vizinhas na árvore ao lado com seus livros e os cães enamorados que só veem grana no Jardim das Virtudes, aqui ao lado, onde ninguém nunca tem nada para fazer. o diabo come bom bocados aos montes e dá recados para a velha gorda com seus filhos e afilhados
 - estamos por todos os lados, nos solados e nos seus pés, nos vidros nos gramados, aos cacos, para machucar as raparigas. o diabo sempre está danado e mora nas abelhas de bom humor. e por isso tantos são picados debaixo dos telhados, nos canteiros, longe dos bueiros, das eiras e beiras das bordadeiras que só vêm ao Jardim depois da missa. o diabo nunca se abisma mas às vezes a criança o joga ao sopé do rio, e o diabo boia pelo Douro até o matadouro da Foz.


murmúrio 7 - 2013