segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

você disse que há na mastigação algo mais do que o devir-grama parado na paisagem. há um devir-tempo-bom, você disse, uma oportunidade de sorrir cores de diferentes papeis no mesmo plano. você falou e mastigou as palavras como se a língua não estivesse na boca, mas fosse partilhada, limpa, bidimensional. e no entanto a cavidade chamada céu é também a caverna de Platão. e como abri-la? a luz é cega, aquosa, bucal, mole gelatina entre os dentes. você não disse algo mais, demente. você disse que é tudo uma questão de sucessão dos meses, que uma linha em ângulo reto e mais uma linha em ângulo reto produzem o cronograma. e que não há mais que grama, sol e que o pasto é amargo na boca dos maus, enquanto que o deslizamento do sentido sempre converge para um livro. o livro dos bons, afixado cemitério... o livro dos puros, das túnicas, dos pés descalços. porque anjo sobre anjo sobre anjo, uva sobre uva sobre uva, folha sobre folha sobre folha (sem quadriculados) são as sobras, sombras, lados, sítios sem a luz opaca que é a da talha dourada à distância. por que não limpam os vitrais? por que não abrem as janelas? dali se vê o espaço, o pasto, a vida às margens das quatro linhas retas. uma janela em cruz, preto no branco, a vida boa da goma de mascar é ternura nos olhos seus, de vaca, de lesar. há sim uma mastigação que empaca, tem tempo, tempo, tempo. e estou sempre a colocar mais uma coisinha, a colar mais uma figurinha, a jogar mais um vômito de tinta sobre o prado implano e sem papel, minha paisagem.