segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017






Decidi ficar aqui a tarde inteira, na semicor e na semiluz do salão de piso frio. O teto é amparado por colunas grossas e na frente delas põem as plantas artificiais. Nas outras mesas há outros desamparados que dormem por fora e por dentro acho que também falam de amor.  Uma senhora esfrega o chão sem dificuldade. Alguém diz alô-teste-testando enquanto passa sem pressa nenhuma. Um homem trajado de regata azul lembra que é possível a gente fazer esportes. Mas eu decidi ficar aqui, nesse lugar sem cheiro, quase vazio. Ouço que a língua é uma piranha. A pira da lua se reflete no chão liso. Há saídas de emergência. Ouro. Os extintores estão aí, no único poste. Agora outro homem, em outra regata azul, passa empurrando o carrinho do bebê. Os que pedem, têm. Os que não têm, esperam. A caverna é ruidosa e nela se põem defeitos. As plantas artificiais sorriem aos que passam e piscam cochichando coisas. Tudo se reflete no chão frio. Como fazer metade quando só se sabe ser inteiro? É para não ter desejos e esperar a tarde inteira, entre pessoas que passam, que se é. E que se erra. Então nada desperta o corpo de antanho. E havia aqui e ali alguma satisfação. Ela se desprende da fotografia. São os gonzos, são os gonzos ocos que atravessam o salão. Assim como é possível acordar o corpo morto com qualquer desejo, também se pode sem mesura permanecer sentado. Há até quem durma com a cabeça enconstada numa mesa de granito. Dormir é desistência. E se pode ir e vir, mas convém levar seu corpo. Porque a gente finalmente se esquece que a terra faz poente. E de que há plantas, há sim, há elas; e até as há não artificiais. E que a caverna é plástica e provisória. Mora a memória na fotografia. Um dia a gente dançou, dançará sempre. Na luz da praia logo ao alvorecer. No dentro do mato quando recém anoiteceu. No olho. Na obra. No copo, no sussurro. Na planta do pé, na palma da mão. No gesto do braço de repente aberto. Da cabeça recentemente erguida. Decidi ficar aqui, mas não. Não se sacode o pensamento num salão de piso frio. É tempo de saber morrer, e o melhor sempre é saber morrer dançando.