Decidi ficar aqui a tarde
inteira, na semicor e na semiluz do salão de piso frio. O teto é amparado por
colunas grossas e na frente delas põem as plantas artificiais. Nas outras mesas
há outros desamparados que dormem por fora e por dentro acho que também falam
de amor. Uma senhora esfrega o chão sem
dificuldade. Alguém diz alô-teste-testando
enquanto passa sem pressa nenhuma. Um homem trajado de regata azul lembra que é
possível a gente fazer esportes. Mas eu decidi ficar aqui, nesse lugar sem
cheiro, quase vazio. Ouço que a língua é uma piranha. A pira da lua se reflete no chão
liso. Há saídas de emergência. Ouro. Os extintores estão aí, no único poste.
Agora outro homem, em outra regata azul, passa empurrando o carrinho do bebê.
Os que pedem, têm. Os que não têm, esperam. A caverna é ruidosa e nela se põem
defeitos. As plantas artificiais sorriem aos que passam e piscam cochichando
coisas. Tudo se reflete no chão frio. Como fazer metade quando só se sabe ser
inteiro? É para não ter desejos e esperar a tarde inteira, entre pessoas que
passam, que se é. E que se erra. Então nada desperta o corpo de antanho. E
havia aqui e ali alguma satisfação. Ela se desprende da fotografia. São os
gonzos, são os gonzos ocos que atravessam o salão. Assim como é possível
acordar o corpo morto com qualquer desejo, também se pode sem mesura permanecer
sentado. Há até quem durma com a cabeça enconstada numa mesa de granito. Dormir
é desistência. E se pode ir e vir, mas convém levar seu corpo. Porque a gente
finalmente se esquece que a terra faz poente. E de que há plantas, há sim, há elas;
e até as há não artificiais. E que a caverna é plástica e provisória. Mora a
memória na fotografia. Um dia a gente dançou, dançará sempre. Na luz da praia
logo ao alvorecer. No dentro do mato quando recém anoiteceu. No olho. Na obra.
No copo, no sussurro. Na planta do pé, na palma da mão. No gesto do braço de repente
aberto. Da cabeça recentemente erguida. Decidi ficar aqui, mas não. Não se
sacode o pensamento num salão de piso frio. É tempo de saber morrer, e o melhor sempre é saber morrer dançando.