quinta-feira, 17 de dezembro de 2015





Sem título, Telma Scherer, pastel sobre papel, 22 x 30 cm, 2014



nunca vivi longe de rio ou mar, mas isso não vem ao caso. as casas são sempre costeiras. carregá-las nas costas não custa nada para quem tem seus caderninhos. navegar por aqui, nesse remo de beira bossa, não fica fácil quando alguém ao lado pergunta: se eu quase, se eu não, se eu trouxe as chaves. pedras, água de lodo e cachoeiras sangram pelas salas da memória. a casa fica sobre terreno térreo, chão atroz, aqueduto, onde não há assaltos. mas se rouba sempre um tempo em que se lavava  calçadas. assar um peixe em churrasqueira é para aqueles que não pretendem estragar o sábado com atribulações. e nunca tive abrasadeiras, a casa avarandada com vertigem de vistas. aqui é para carne pouca. esse mar às vezes dói. porque aqui se come sempre às sextas-feiras. sim, no dia da paixão. fazemos farinha para o pirão das horas, quando todos estão dormindo. porque pirão é sério, viu. nasceu na boca do primeiro século, na mão do primeiro índio, na beira do primeiro ar. e não se deve sujar o ar com os sem mistérios. por isso, é dança, desde o sábado de manhã. na sala das aleluias, água.


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

quinta-feira, 26 de novembro de 2015




Uma avenca, quando parte, é para nunca mais voltar a ser raminho em meio às intempéries. Todos pensam que avencas querem árvore, mas uma avenca, às vezes, é quem simplesmente descobriu que na linguagem de dia de semana também se encontram os anjos propensores, que gostam de brincar nos escorregadores que pendem desde o vácuo do céu da boca. Uma avenca nunca termina de partir porque está sempre atrasada, bem atrasada, e onde quer que vá chegou antes do sol raiar. As avencas são viúvas de todos os lábios. E desde que os ônibus começaram a estacionar em perfeitos boxes retilínios, as avencas também fingiram não possuir a réstia de anjo na boca. Porque os desenhos do trajeto da avenca são sempre curvilíneos. Mas há que passar a ponte, pegar a estrada de chão e seguir rumo àquilo que não tem explicação. Toda avenca parte para Vila Nova. E chega antes. Não adianta você dizer que as avencas são orelhas tapadas para o universo de metáforas que se desprende dos relacionamentos. Quando você puser essas palavras na cauda do anjo, a avenca já partiu. E na curva da estradinha, em meio ao vácuo de luz que só existe para além de todo muro, as avencas redistribuem nascentes para despoluir as fazendinhas. Por isso, o peito delas é pesado. Porque há sempre portões fechados em todos os relacionamentos e elas querem voar em forma de breve sinuosidade por entre os pastos. O peito de toda avenca se mede em tabletes de puro ouro sujo e desgovernado e, por isso, ela voa tão desajeitada entre os ramos para pousar em um montinho de terra ao lado e, como quem não quer nada, jorrar uma nascentezinha igual à da fonte da donzela. No burbúrio da rodoviária, terra de latifúndios, uma avenca jamais poderá sorrir. Só quando ela abrir as suas asas pintadas a têmpera ela poderá dizer: sim, muito obrigado, amo você, tome cuidado, não é por aí.








telma scherer, sem título, 
pastel e colagem sobre xerox, fotografia de passaporte, 21cmx29cm, 2013.



quinta-feira, 5 de novembro de 2015




às vezes uma fogueira aprofunda o vento e quando se está a sós com os caderninhos é que se percebe o quanto uma fogueira rasga o dia de pleno alvorecer, seja no movimento dos sons ou dos ocos de alvoroços de medalhas destiladas para aqueles que querem ganhar todos os concursos.

às vezes uma fogueira se adensa de seu não ser, é de quases, de nadas, de coisinhas finas para dias
 chuvisnosos. às vezes é no grau de uma fogueira assim apagada em plena luz do olhar que se percebe o quanto as varandas nem sempre acobertam a passagem dos rapazes. e só vivem horas aflitas, vão roubar o doce de dentro das madeiras, das meninas, e subornam mamadeiras, mas nem tanto.

uma fogueira percebe o quanto é tonto o que coloca galhos e galhos desnecessários no vão do dia.

às vezes uma fogueira faz besteiras porque não quer dizer o que há: é que a vida se consome, e é verdade tanto para dias quentes quanto para noites e para quando a primavera se esquece de chegar. e nada disso tem a ver com as pedras, uma fogueira venera qualquer chão: e é no miudinho da terra batida que ela abate mais uma estrela. no imenso.

uma fogueira aprofunda o vento porque ele não cessa de se esquecer e às vezes é tempo de requerer perdão, e ela é uma coisa a mais, apenas um pouco mais, porque quando quer, e ela quer, abre o tríceps escondido nesse braço tonto de doer. porque dizem que não tem e é sem nem e nem tem e nem quase. mas ela sabe a hora de bater: no nunca. porque ela rebate as críticas com seu sabor de vento. ou seja, só no vero movimento.

uma fogueira sabe, sim, aprofundar o vento.










às vezes um fogueira aprofunda o vento, telma scherer 
giz pastel sobre papel reciclado, 2013, 21cm x 29cm 




sem título, telma scherer, giz pastel sobre papel reciclado, 2013, 21cm x 29cm 


sábado, 31 de outubro de 2015






Vai-se um halo de vazio construindo

por entre todas as coisas:

ao redor dos entes em partida

somam-se desatinos palavras

cérebros de saída.


Forma-se ao redor da xícara de café

um respeitoso espaço de vazio

avisando que ela é coisa

na sua ressência repousando.


Movimento de mão na xícara

é bruma transitante


da coisa na coisa

no espaço do halo


O desenho bebe café

e transforma o vazio em cântaros

     de coisa petrificada

na condição etérea das palavras

     escapantes

de gente que larga a xícara

                              e se vai.






poema de Desconjunto, meu primeiro livro (IEL, 2002)

quinta-feira, 29 de outubro de 2015












Cronos, Telma Scherer, 2014, videoperformance, 3min7seg
  
Trabalho desentranhado do vídeo de Paulo Herkenhoff (1979) Estômago embrulhado.  



O ponto de partida é o livro.      O ponto de chegada é a performance.                  Não, o ponto de partida          é o corpo, o ponto de chegada não há.     A performance mora no vídeo, um espaço-tempo.                                                              O livro provém do ritmo,       o ritmo             da respiração.  As batidas cardíacas são as primeiras páginas das quais se tem notícia. O livro é tridimensional. A escultura tem braços e ossos. O sangue percorre as veias         quase         em silêncio. As palavras sussurram  caladas          dentro dos livros que não são abertos.          Pode-se fazer de tudo com um corpo: amá-lo, vendê-lo, atá-lo a um poste com uma coleira. Pode-se criar um fluxo com quaisquer conjuntos de palavras, vide a receita dadaísta para compor um poema.                                          A página branca aceita tudo.
A maior parte dos movimentos   do corpo       são invisíveis. Um livro quase sempre tem seis faces, Dom Quixote também? Quantos pergaminhos usados e apagados, quantos ouvidos, bocas, labirintos, diafragmas e pulmões?                         Um livro pode ser falado,        ou composto                          em pequenos fragmentos de papel que se entrega ao homem dentro da penitenciária.
Um livro também pode ser esquecido logo depois de escrito.
                                                                                  Os livros morrem cotidianamente.
Após a primeira impressão, em um ano 80% desaparecem. Em pesquisa de 2011, averiguou-se que
47% dos brasileiros não conhece ninguém que venceu na vida por ler muito.
50% não leu nenhum livro nos últimos três meses.
                       Mais de quarenta e um milhões de pessoas leem a Bíblia, enquanto menos de 20 milhões leem poesia. Mesmo assim, Carlos Drummond de Andrade                          é o quinto escritor mais lido do Brasil.
85% dos brasileiros não comprou nenhum livro nos últimos três meses.
71% dos 67% que sabem que existe uma biblioteca na sua cidade consideram-na de fácil acesso;                no entanto,  75% não frequentam bibliotecas.           Destas 164,8 milhões de pessoas, 33% respondeu que NADA as faria mudar de hábito.

Um livro destroçado:            suas linhas podem ganhar a forma de um órgão.   A água           desfaz os livros com facilidade. Foi um incêndio (o de Alexandria) que nos levou a crer em progresso.  




quinta-feira, 15 de outubro de 2015



não ponha pingos nos meus is, ponha pratos na minha mesa. não suponha que estou sempre certa. e que você, prateado assim à lua cheia, virará maré de sempres. a vida não pede desculpas pelo prazo a mais que nos concede para excomungar as lagartas do jardim. não ponha o lixo  no saco de lixo, é tempo de composteiras cheias. não proponha eliminação dos bichos grilos pelas pisadas dos elefantes e dos gatos, dependendo da situação. esses não-me-toques que não adiantam. às vezes, é hora de borrifar veneno e queimar os restos das árvores mortas. é preciso saber o momento de topar com o vidro, porque quando é também uma hora de não ser. a água se recorta desde o fundo da imagem, e fende. vira faca afiada para as coisas que ninguém viu. aquele sussurro no meio da multidão, sua boca assim de lado, falando meio fechada para os passos apressados do metrô. não peça para que eu diga nãos porque fui feita da matéria dos zelos. somo os zeros com zeros à direita, prevendo os golpes que irão nos deixar famigerados no destroçamento da família, nas lavagens dos pratos e do dinheiro, mas com a linha amarela a ser cruzada diante dos olhares gringos dos que não entenderiam o que você fala. por isso, pare de murmurar, diga logo o que nos faz diante do metrônomo algo que ainda não finda, ou pelo menos por enquanto. sei que há contas que só se pagam em euros. e há pilhas e pilhas de notas falsas e há pilhas e pilhas de notas irreais na gaveta do marqueteiro. por isso são políticos, eles, e nós produtores de prazos elevados. não manque, não se zangue, marque no seu calendário a visita dos bolos, dos bifes, das aves recheadas e das sobremesas várias feitas com a moeda dos dias de festa. não se esqueça de colocar um sim ao lado do guardanapo. logo estarão todos presos. e nós, processos.



domingo, 11 de outubro de 2015

quinta-feira, 1 de outubro de 2015




dizem que o meu tataravô alemão estava preso e o irmão dele, mais desonesto, quando entrou para o mesmo sítio, o convidou para migrarem ao Brasil. ele aceitou porque se chamava Miguel e porque havia roubado para comer. mas o navio que singrava também mordia o seu sangue: era tanto horizonte e nenhuma voz. dizem que adotou enxada por falta de filho. e que as raparigas que vinham ter com eles eram todas prostitutas. e que ele pagou os porcos a prestações. não se viam lencinhos brancos na beira do rio, ainda assim chegavam barcos com outros homens famintos. e não sei com quem foi mesmo que ele se casou, só sei daqueles olhos escurecidos de olheira, daquelas costas calejadas, daquela pele curtida pelo sol e pela enxada. parece que a terra era vermelha, que o milho crescia, e que havia feijão. parece que o verão sempre se aproximava para afastá-los de seu centro. e que a casa foi construída sobre uma cachoeira. o rio era limpo, lodo, porto não havia. não havia bombeiros, estradas, negócios, só picadas no mato adentro e a cruz que nunca parava de vigiar a produção.












domingo, 27 de setembro de 2015




isso aqui é Brasil, meu querido, aqui não se bebe sangria. aqui as frutas são mais do que doces, e o que consome nossas têmporas é o mesmo que os diamantes: o corpo forte e azulado que não teme o riso das crianças. isso aqui é Brasil, meu querido, erigido pelos braços e pernas, pela musculatura tênue dos que não têm atenuantes. isso aqui é ferida, querido, é mina, é umbigo do mundo e de suas desgraças: as que não dão graças e que só sambam de graça na cara do sábado, quando não há outro aval. é aqui que se consome o sangue escuro sem cupinchas, é o balão que desincha de graça, querido, quando não há carnaval.




quarta-feira, 23 de setembro de 2015



esse musgo não é musgo, é mar. você não está vendo as crateras? são pontos brancos mas de fato  buracos negros. tudo some pelo tempo. ele come, come, come, como no poema do João Cabral com que não sonho. por acaso são proibidos sogni di fine estate, ou sonhos de primavera, ou sons de pássaros que inundassem a fotografia e aquilo ali vermelho virasse a carne do filho que não nasceu? tudo pode, bobinha, você é quem não permaneceu na linha clara e distinta das brisas que se acometem para os que sabem a diferença entre isso e aquilo. você mordeu os que dão declarações precisas. você mordeu os que lidam com cifras e com códigos geralmente endereçados aos que ao dinheiro. e por que põe esses aos aufs wows e outros sons assim? porque quando não se tem nada a dizer, é preciso ênfase. e essa fotografia não é mais que a pele de minutos, a membrana que envolve esse mistério todo de ter carne. é sim, é pedaço de nadinhas mas que existe. e pesa. e quebra peso. e merece ser fotografado porque não há nada além desses minutos. mas a foto é ruim. é sim, flor, é mesmo pura faca. tão ruim que me faz sonhar com mares e areias que dela se desenvolvem porque não há mais o que olhar quando o peso dos metais se bifurca em alumínios. digo sais de prata. digo sais, que poderiam ser mar. mas o mar é falso onde ele realmente existe. é sempre mais adiante mirar mar. por isso pedras são cordões umbilicais.



domingo, 6 de setembro de 2015


não me diga Voltarei, Volto Cedo, o intervalo não é de almoço. o intervalo é uma folha de almaço toda quadriculada. sobre ela, se rabiscam símbolos como os dos oos cosmológicos que pessoa adivinhava. não me diga que Pessoa se punha de pé antes de anoitecer só para dizer que seus cálculos desdeziam. todo o cálculo desmente, mas não é para pôr recados em cima do balcão do bar que esta caneta serve. ela cede ao vácuo, à frente, à tentação de se ir de volta ao mar refugiado. não me diga Panta Rei, oh Vias Crucis de santos soslaios, porque o dia do Divino já passou e anjo nenhum comprou corujas. na feirinha de artesanato havia leões, patos, cachorrinhos, e todos os anjinhos queriam o mesmo agrado: um tambor para tocar antropologias sempre que se põe um preço no papel.



quarta-feira, 2 de setembro de 2015




só mesmo as mínimas alminhas bloqueiam do facebook como se isso apagasse suas muitas dívidas. é execrável e rastejante servir-se do outro como de sobremesas, depois comer o limo e pó de tapetes miseráveis, e sair às vagas pelos rumos de uma vida só de cliques. é típico dos sem sol viver sob faíscas de flashs que reluzem o minuto e não aguardam. saber esperar é daqueles que não se põem no lixo, e não agradam, e comem no sumo da sobremesa o que eles mesmos temperaram desde a água do café.
porém as manhãs são deliciosas apenas para todas as mães e, às vezes, também para os que acordaram cedo - não porque o árduo rochoso de montanha consome a força-tarefa,  mas porque é realmente bom planejar antes. diz-se que os que mais excluem tornam a revoltar as iras médias em quarenta e cinco segundos. um minuto de conversa pode ser um século em tesouros, mas há que se abrir para os silêncios que se desgastam leves enquanto queimam incensos. e esses momentos são raros como os bons poemas nas suas timelines. os bons poemas são raros porque são precisos, e não se compartilham pelo facebook. eles moram na montanha mais pesada, para onde não há nada que se inclua.
compartilhar nem sempre é da partilha, porque a partilha se faz ao pé do fogo. e quem não sabe se ver matilha, por mais que se apresente, nem tente, porque só se exclui de seu próprio tempo.



terça-feira, 1 de setembro de 2015



o diabo à solta no Jardim das Virtudes, o diabo desce a colina ao lado do Largo do Viriato e se esconde entre glicínias, à espreita. quando anoitece sai, como os outros visitantes, pelos buracos da cerca.
o diabo cerca o Cerco do Porto e abre suas portas para todos os marroquinos. e alveja nossos azulejos de quatrocentos anos atrás. o diabo está sempre detrás do cedro, e cai com as folhas, sem estrépito, quando passam os guardinhas. o diabo sempre tem vizinhas na árvore ao lado com seus livros e os cães enamorados que só veem grana no Jardim das Virtudes, aqui ao lado, onde ninguém nunca tem nada para fazer. o diabo come bom bocados aos montes e dá recados para a velha gorda com seus filhos e afilhados
 - estamos por todos os lados, nos solados e nos seus pés, nos vidros nos gramados, aos cacos, para machucar as raparigas. o diabo sempre está danado e mora nas abelhas de bom humor. e por isso tantos são picados debaixo dos telhados, nos canteiros, longe dos bueiros, das eiras e beiras das bordadeiras que só vêm ao Jardim depois da missa. o diabo nunca se abisma mas às vezes a criança o joga ao sopé do rio, e o diabo boia pelo Douro até o matadouro da Foz.


murmúrio 7 - 2013

quinta-feira, 18 de junho de 2015



Banzé da luz 

Salmo do sol, de manhã 
A lua toda, alvorada 
No mundo mora a cunhã 
Banzé da luz, madrugada 

Batuque, banzo brejeiro 
Estouro, estalo, estalido 
Cantiga, fogo e pandeiro 
Batuta, brado, bramido 

No labirinto do ouvido 
Faz festa do seu lamento 
Fanfarra a pele e o zunido 
Lampeja a todo momento 



A primeira versão dessa letra, fiz a partir do incentivo da Tereza Virgínia de Almeida, que além de ser minha cantora preferida, é também (sorte a minha) orientadora de doutorado. 

Na ocasião, ela estava compondo uma série de canções que estarão no seu próximo e terceiro disco, em parceira com o violonista Júlio Córdoba. Aquele Banzé nascedouro ficou inconcluso, pois acabei criando outra letra, "A luz e a voz", mais afinada ao som delicado e denso de plurissignificações do trabalho da dupla. A música ficou linda. 

Eis que alguns meses depois recebi um convite do Frederico Alabarse para criar uma letra para o novo disco da FairyCats, uma banda que une influências dos quatros ventos para compor música do mundo. Eis que saiu há pouco o novo álbum no qual se pode ouvir esse maracatu desentranhado, lá em Paris, da minha letrinha. 

A FairyCats nasceu do encontro de Frederico Alabarse e Irina Guldt, que uniram suas melodias e harmonias com gosto de Brasil e de Leste Europeu à percussão gravada por Douglas Marcolino, Paulo Madureira, Leonardo Pereira, Wendell Bara, Damien Lecchi e Erik Moura. 

Estou pegando gosto por esse ofício ainda insipiente de letrista. Quem sabe o que há de soar a partir da vontade de abrir novas páginas aos ouvidos?



sábado, 13 de junho de 2015

gaga portugália


os capas-pretas 
por todos os lados 

ladeiras de fogueiras apagadas 
dentro das togas batinas 
cobertas 
pela capa suja e gasta 
das urinas e de cuspes 
e de beijos escondidos 

porque todos os morcegos 
são fodidos 
e os do sexo feminino 
aglutinam suas coxas 
dentro 
do tubo insofismável das saias 

e quase até os joelhos 
se ajoelham 
com seus sapatos de convento 
para a cara apática de toda a tradição 

e os do sexo masculino 
são gosmentos 
e riem e sonham com 
soldados e henriques 
e todos têm chiliques às cinco da manhã 

quando saem de festas 
onde não falam e não dançam 

só contam causos 
sem acasos



terça-feira, 12 de maio de 2015




comprei uma barcelona               só para mim
carrego a sacola por todas as calçadas

engraçada, como viúva avulsa das vulvas desengonçadas
vou de golfo em golfo                      de garça em garça

                   sem nenhuma nota, às tontas
                   respiro as bordas da suma sangria

paguei a conta do cordel de gaudisney
e me esperam nas praças os seus elefantes

meu teto é de lona e se ergue sobre as
bordas de copacabana           oh minha barcelona
se alimenta de bares abandonados

e sob o sol a pino                        na rambla rombuda
dos mares nunca dantes embriagados

sambo todo o dia na cara da polícia
e apanho na bunda a cada subida do metrô



quinta-feira, 30 de abril de 2015

das coisas que coleciono com mimmo e anas





















a terra que o bailarino revolve
a terra densa                   a terra mansa no ar
do estrato esférico

a terra manca de minutos
histérica
dissolvida em seus mistérios

de    si     perché     la  guerra    na goela di

chi non si manca nesse céu dappertutto così improbabile
quando o véu travesti das vociferações faz miséria

e a todo diamante o seu dinamite













segunda-feira, 27 de abril de 2015




a verdade é que essa face, a da foz, a que ofusca, não fui eu nem foi deus - ninguém fez a festa mor do rio que já tenha visto a fossa vera na cara do vinho do porto.

                                                                                 e nunca aqui vi meu jorge ben de mãos dadas com alguém, assim, meu bem anjo para essas sãs joelheiras

meu bem anão   na beira do rio, na ribeira, o       hein hein hein e tem tem       tem tem e as garrafas do vinho do  horto  quebradas no porto torto da montanha, as garras para os pés da liv ullmann, ao vivo, no passeio das virtudes. as vísceras e a mente e aos cacos, facilmente se vendo vasos, plantas, vinhas, assim, sim, vísceras de viscos profundos e

não que aqui em casa alguém venere venere e erre e é claro que ninguém profere (a senhora que o diga) o perrengue dos pedaços frios dos aços dos bondes entristecidos na beira do rio a vulva rachada a queimada em sopro e o horto absorto depois deste deleuze que a terra há de comer e

                                             se vira a norma argila e depois, depois dessa foto do precipício, depois do pé cortado, depois do vidro quebrado                                                                      já não há pés, quando os amos largados fazem nem hein nem tem e sim trick treck track longe de toda cachoeira

porque as caixas de recolha dessas garrafas zarolhas são quadradas por todas as calçadas, e quando se larga uma garrafa no fundo verde da caixa trick track trock os mendigos saem aos gritos e as rolhas das garrafas tão garridas ao modo de nossa senhora que só a desatadora de nós, só mesmo a senhora nossa aparecida para saber o sabor da sidra      para colher a flor que humildemente lhe ofereço,

oh pureza de segundo se formando mais um sério de minuto no passeio sem virtudes, ah minuto mudo de minuit mistério    et la nuit la nuit se nutre só com falsas flores
                                                                              essa face que fenece entre tece o triste rim, o rio que ri lá embaixo dos estéreis, dos carros quebrados, o ih da vida da verdade & não fui eu nem tem tem hein hein no calendário o sangue coagulado


sexta-feira, 24 de abril de 2015





como ficar Odara com a língua de Lara cortada
para o coro do café da manhã
onde a banda não passa, nonde não há
                              nem um fio filo de corrupção no calção

nem caça e nem aquele u do dejá-vu-do
-visto, já visto + as burocracias
de gente comprando e urrando a cor currupira do cação
com o vento no muco da mão,
e a rampa e a ripa daquela madeira nunca acabada de lixar

porque o buraco é mais barraco que o vento do vulcão chileno
e para o barro barroco de três mil anteontens

quem se lixa? e quem se bixa? e quem se lusca e fusca
                       para o vis-à-vis da revista para o mar?
e quem consegue amar
sem os embustes do basta de balaustradas
de lustres e de lambuzes

e serve mujica límpido e longe das moscas
com as mucamas moucas e as lindas loucas no café já de manhã?

sim, ó o óh roberto piva
com suas pias de presídio,                       onde foi parar
o sacrifício à tarkovski? xamãs isolados nas selvas,
pero no tanto, só pistas de pó da fossa fosforescente
e a bossa que não me deixa duvidar




quinta-feira, 16 de abril de 2015

com esta fome que morde a orelha do carcereiro


































verônica viu
na vulva do ouvido
o veneno e saiu de si.

não sei se viu, ouviu
ou repetiu o que se deve repetir
quando não se vê     porque há
                                sangue no olho

- e verônica ainda a sanguessuga da família brasileira. 

a voraz herdeira
do pau a pique
do pau de arara
do pau brasil da puta que o pariu.

a vaca avoada
nem voo nem vociferação
disse não, não, e não.

inversos para verônica
na volúpia da estória
sem memória, os versos

na moral do verso oral
na voz do vão da porta que
sempre dá

para a horta do vizinho.

verônica, a velha ferida fria que se
come com salada nas horas namoradas
noticiário nacional.

verônica, você mordeu a velocidade do ouvir
o tubo vestibular
o nervo coclear?

van gogh, você

as veias abertas desse caldo que não cala
a cloaca da vertigem
vítima sem igual.





quarta-feira, 18 de março de 2015

ogan
toca pra Ogun
que a barra pesou outra vez

ogan
toca pra Ogun
que o branco subiu no cacete

fez o dez três a sete
e pagou sua sede
na faca vazia

toca pra Ogun
pra mais um e mais um

que a garra é aguda e agora é a hora
e a conta demora
pra pagar e apagar

e eu não quero ver meu quintal
cheio de verde-oliva
cheiro dessa briga viva outra vez

cega punhal
pra não ter cassetete
que eu não quero ver tête-à-tête
entre o homem e o céu

então toca pra Ogun
e toca pra Ogun
outra vez
que eu quero ver
o que vai acontecer



terça-feira, 10 de março de 2015

a boca de Clara, a boca rara que entoa e não urra
a boca escura, fervendo
e sendo pura
como panela de santo
ela
a boca santa na tristeza da municipalidade.

a boca do cidadão, a boca boa, a boca limpa
de antes do café
de antes da manhã com notícias de malícias
e milícias de panela.

a boca dela,
a boca das três raças
a boca de argamassa
tijolo sobre tijolo, a boca de fumo.

o apuro das novas
de boca em boca, o aprumo das noivas,
do cidadão de bem, do veja bem,
a boca que vê mais que ouve, a boca louca
louca para ser pouca e pouca
como a boca de padres e patrícios.

mas não há comícios no largo ao largo,
e a boca é de Clara, de canela
a boca dela
boa de beijar de batom vermelho e unhas
a boca que entoa e não urra

a boca pura
do canto do candomblé
para a bruma da municipalidade.


a cachopa da Esperanza para um lado e outro lado e outro e outro: outro, desenhando no ar formas barrocas ocas com a talha que rei nenhum sonhou: uma cachopa no ar, uma coroa, a cor dos séculos de sol e areia assim fundidos em pedra dura de minutos passados percussivamente em cordas transparentes
que balançam  para um lado e outro lado e ouro e outro ouro: um altar que começa sempre onde a árvore de jessé prospera em capão redondo, rotundo e firme para o céu, sem galhos grossos suficientes para nenhuma corda se esticar ao peso do corpo morto

mas matando
a cabeça sem Esperanza


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

você disse que há na mastigação algo mais do que o devir-grama parado na paisagem. há um devir-tempo-bom, você disse, uma oportunidade de sorrir cores de diferentes papeis no mesmo plano. você falou e mastigou as palavras como se a língua não estivesse na boca, mas fosse partilhada, limpa, bidimensional. e no entanto a cavidade chamada céu é também a caverna de Platão. e como abri-la? a luz é cega, aquosa, bucal, mole gelatina entre os dentes. você não disse algo mais, demente. você disse que é tudo uma questão de sucessão dos meses, que uma linha em ângulo reto e mais uma linha em ângulo reto produzem o cronograma. e que não há mais que grama, sol e que o pasto é amargo na boca dos maus, enquanto que o deslizamento do sentido sempre converge para um livro. o livro dos bons, afixado cemitério... o livro dos puros, das túnicas, dos pés descalços. porque anjo sobre anjo sobre anjo, uva sobre uva sobre uva, folha sobre folha sobre folha (sem quadriculados) são as sobras, sombras, lados, sítios sem a luz opaca que é a da talha dourada à distância. por que não limpam os vitrais? por que não abrem as janelas? dali se vê o espaço, o pasto, a vida às margens das quatro linhas retas. uma janela em cruz, preto no branco, a vida boa da goma de mascar é ternura nos olhos seus, de vaca, de lesar. há sim uma mastigação que empaca, tem tempo, tempo, tempo. e estou sempre a colocar mais uma coisinha, a colar mais uma figurinha, a jogar mais um vômito de tinta sobre o prado implano e sem papel, minha paisagem.