quinta-feira, 1 de outubro de 2015




dizem que o meu tataravô alemão estava preso e o irmão dele, mais desonesto, quando entrou para o mesmo sítio, o convidou para migrarem ao Brasil. ele aceitou porque se chamava Miguel e porque havia roubado para comer. mas o navio que singrava também mordia o seu sangue: era tanto horizonte e nenhuma voz. dizem que adotou enxada por falta de filho. e que as raparigas que vinham ter com eles eram todas prostitutas. e que ele pagou os porcos a prestações. não se viam lencinhos brancos na beira do rio, ainda assim chegavam barcos com outros homens famintos. e não sei com quem foi mesmo que ele se casou, só sei daqueles olhos escurecidos de olheira, daquelas costas calejadas, daquela pele curtida pelo sol e pela enxada. parece que a terra era vermelha, que o milho crescia, e que havia feijão. parece que o verão sempre se aproximava para afastá-los de seu centro. e que a casa foi construída sobre uma cachoeira. o rio era limpo, lodo, porto não havia. não havia bombeiros, estradas, negócios, só picadas no mato adentro e a cruz que nunca parava de vigiar a produção.