sábado, 21 de outubro de 2017




Onde a ilha se encontra com o mar, no ponto extremo, há um conjunto de rochas e pequenas piscinas calmas, em movimento. A ilha tem a forma de uma vagina e, nesse caso, a morada das ondas batendo nas pedras deve ser o seu clitóris. É lá que uma mulher se sente à vontade para deitar ao sol sobre a superfície rugosa de um rochedo que respira há bilhões de anos. Ali, a mulher observa os fluxos e as poças mansas que se formam depois da extremadura. Ouve o farfalhar das correntes serpenteando as pedras baixas, movimento contínuo de uma água que já baqueou, cantou raivas e, depois, sossegada na areia larga, volta ao seu turno, unindo-se à montoeira de mar que ali espera mais um trunfo do som do movimento das espadas.  Nesse lugar, uma mulher pode parir e matar bem as suas crias em apenas um segundo, pode meditar e se dizer adeus e tornar a acreditar em um deus desconhecido. É ali também que os namorados se encontram para selar o seu pacto, mas a mulher não tem impacto sobre eles. Deitada sobre a pedra, agarrada ao seu eu profundo de movimento e gozo, ela vê os picos das rochas se erguendo ao céu e sabe que é ao mesmo tempo feminina e masculina. Vê os peixinhos minúsculos vagarem pelas piscinas calmas e sabe que não têm filhos os oceanos e as marés, e os ventos que se precipitam sobre o seu rosto são carinhos afoitos ou então impulsos que erguem as pernas dela, que agora apoia os pés na pedra. Então, em posição de parto ou de orgasmo, aflita, ela se entrega à lua que ainda não nasceu, mas já aparece vaporosa por sobre o horizonte de ondas.  Uma mulher é uma mulher é uma mulher. Nada pode detê-la. Ela corre sem pés na relva serpenteada de conchas e areia grossa. E xinga os pescadores e ri com eles e os desova. Ela atrai com seus cabelos o choro de uma criança. Uma mulher é uma mulher é uma mulher. Ela é ríspida como quando o tempo vira. Sua cabeça respira o amanhecer e ela se sente completamente vazia. É assim que é plana, sem necessidades. Agora as ondas se acalmaram e a espuma abranda. Ela acende uma fogueira com o seu isqueiro e ali queima, um por um, os retratos dos antepassados.