Não necessito, não quero, não posso mais tirar palavras da minha mão para contaminar o mundo. Ao redor, há xícaras, lápis, bicicletas, quadros nunca concluídos, livros abertos e cochichos. Alguns sussurros ainda empilhados por debaixo da cola branca. Há poeira, duas toalhas e um pouco de café. O trânsito fica longe, e ainda assim há redes: de dormir, de sonhar e de falar, perigosas.
As coisas mudas me agradam, como a presença nesse quarto de um cobertor. Estar ao alcance da mão é fazer parte de um mundo com tabelas de verdade, quando ainda não havia suficientes sistemas de segurança. Clareza é livre como acordar de manhãzinha e ver o mundo fluindo em direção a mais um sábado. É medieval e não pede desculpas.
Agora é impossível voltar atrás. Até as folhas das árvores visitadas pelos passarinhos parecem sofrer no excesso do que ouço desde a tela que sofreu os apuros da falácia. Doença irreversível de precisar preencher instantes. Palavras falam, nunca se aquietam, alongam-se sobre tapetes, bebem rum, acordam os vizinhos de madrugada quando não cabem em camas, ou em câmeras de 140 caracteres. Cobertor se molda aos calores de um corpo inexistente.
Saber que há portas, imunidade de tropas, um xamã enterrado, esquemas institucionais e críticas ao pós-estruturalismo é tão frio como engolir limão. A hora errada se assusta fácil. E a mão toca barbas distraidamente. Barbas encantadas, azuis, caminhantes como as falas que contaminam o mundo. Aquelas que nunca se pintaram nas cores da baba antropofágica, e por isso pousam sobre o espaço sem a dignidade de xícaras, lápis, bicicletas, livros abertos e cochilos.