quarta-feira, 3 de maio de 2017




aquele dia o gambá na cama
cinza insólito e feroz como um bicho sabe ser
- e se cai de repente de uma madeira solta
de um furo no forro despenca para o meio do macio -
sim
o gambá na cama, nunca antes vimos essa coisa acontecer
nós deitados
e sendo ele um filhote fedorento
indefensável, indefeso, tão colado à vida que não queria perder
e diferente de nós
simples como a saracura que nos acorda na manhã
e não se sabe saracura
e grita

mas era noite e o gambá trepidante seus dentes percebiam outros bichos grandes
nossos olhos rangiam sem saber o que fazer
alçamos as cobertas cobrimos o corpo dele
que não escapou

jogamos tudo pela janela
e lá embaixo, no pátio, de repente nossos lençóis sujos e o silêncio da escuridão
o gambá solto do seio de sua própria intimidade
e colado ainda à vida que não queria

sei que aos olhos do cidadão, é certo que essa cena nem nunca aconteceu
mas naquele dia, depois do gambá na cama, alguma coisa em nós jamais adormeceu