segunda-feira, 15 de janeiro de 2018







Pinto com o que sobrou de tinta
no fundo da tigela.
Pinto com os restos
dessa voz desconhecida.
Escrevo palavras deixadas ressoando,
vestígios de um corpo que passou.
Suas linhas desenharam no chão
uma estrela incompleta, reta e transeunte.
Pinto com as manchas que fincaram na mesa
pinto o meu poema velho, pouco vinho do porto,
nada vinho da madeira, azedo,
carcomido pelos cupins, sujo da merda dos morcegos
que sobrevoaram a noite
de uma sala inconclusa.
Escrevo com o cuspe de palavras que eu não disse
e que nenhum milico usou
para limpar suas botas.
Então grito a dor desses sussurros.
Imito o som guardado de orgasmos aguados, aquarelas,
pinto no fundo da tigela
uma luz de estrela estremecida
que sim, agora sim, se completou
na borra do café, no prumo da manhã.
E faço amor com o resto das plantas
de um jardim destroçado, depois do fim de jogo.