Aquelas
noites, lá em casa, você tocava bandolim, nós nus, levantando na manhã dos
outros para beber as garrafas finalmente geladas; as suas palavras de flauta, o
ruído da rua e nós dois nus, ainda, inventando anestesias para o todo do
minuto.
Você
tão novo, os cabelos cacheados, a nenhuma barba, sua vontade de pôr em pauta
tudo o que compunha num piano censurado, suas aventuras, a mulher casada e os
causos do seu corpo, os seus dedos suaves como brisa em brasa.
O seu
casaco de lã debaixo de outro casaco, a dúvida entre os dois, você geada, você
simples como não saber de nada, nós dois colados esperando anoitecer para comprar
um baseado com os guardadores de carros.
Você
raro, taurino, astral, suas visitas em meu quarto sem cama, só colchão, a
lembrança do bom sem não de noites ainda com seu nome por saber, sua corrente
que eu tinha que tirar antes que tudo, senão não podia mais te ver, nem
suportar, você um brega meio bom, com
sinais ancestrais de lua cheia e algum mar.
Você
surpresa no silêncio, os discos de presente, as destinações, sua língua ausente
de qualquer palavra, a sacola na mão antevendo latas, você no lodo, seu
sorriso, na outra mão o case, demônio, você não servia para o caso,
sorria, seu vício de trocar todos os cds.
Você
sentado ao meu lado, nós no banco de trás, as pernas se grudaram, alguém
poderia ver, minha face fascinada pelo seu sotaque meio rindo, meio me cantando,
você pôs os pés no que eu sonhava, um dia, planejando tocar cabelos mansos, a
sua pele bronzeada pelo lado de dentro.
Aquelas
noites, mensagens visualizadas e nunca respondidas, você uma clave, nua,
partitura indecifrável, os anos se passaram, você não trazia mais cds, tinha
tudo em podcasts que não rodavam para nada, você desafiava o tempo com sua
pouca roupa, a barriga saliente, no quarto há mais do que uma cama, você
preocupado com uma tradução do grego, nós colados como papéis à mesma parede
úmida onde um dia alguém deixou um murro.