domingo, 11 de outubro de 2020


  

Nos vimos

no meio da pandemia

preparando

peitos em punho

para enfrentar

com porradas

e sustenidos

aquilo

que não se podia pensar.

Nos vimos

no meio da pandemia

e nossos olhos

fervilhavam medo,

e o medo ia até os dedos,

e as nossas vozes vibravam

pelo espaço

como trovões, trovoadas.

No meio da pandemia,

em vertigem,

a verve

dos verbos

se misturando,

se línguas,

alheias aos riscos

da verbalização,

porque as nossas

eram línguas mortas

e antigas

inscritas

no sabor dos ventos

e contaminadas

na memória

desde os cemitérios sambaquis.

A rua

era o perigo de sempre,

perigo de se respirar,

mas agora

se pode pixar

sem contratempo

no meio das madrugadas.

Um baile de máscaras

autômatas

ia e vinha, veloz,

as sombras não nos ouviam,

mantinham distância,

e nós

nos conservamos, também

há séculos

dos outros desses outros.

No entanto,

nos quilômetros

do nosso pixo

propúnhamos o instante.

Nos vimos, assim,

em pleno desespero,

poemas de fogo fácil

em espiral

dispararam

do centro do nada

que agora éramos

sem saber

se se pagam as contas,

se se compram

panos

para costurar as metades

de nós mesmos

com os nós dos outros desses outros,

ajudando com as máscaras.

Caçadores

de borboletas, que éramos,

e de nós mesmos, dos vazios

que vão de um galho a outro,

propondo sentidos

que se despedaçam, só pudemos

propor que tudo passe, e passa,

para podermos

transar com Pã, a sós

dos nós de nós desses nós mesmos

numa espécie de vazio de fábula.