segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Resolvi compartilhar o texto e um pouquinho da poética da performance que apresentei no último sábado, no Festival Literário Internacional de Pomerode, que homenageou Franz Kafka. O texto foi composto para a ocasião, através do recurso de apropriação de trechos de textos do autor homenageado e de notícias atuais, além do poema "O pilsen não compensa" (poema composto nos primeiros meses deste ano).

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É dia de Kafka – performance 14/09/2024
(No palco, os colegas acabaram de falar sobre a tradução dos "Últimos contos curtos" e sobre a edição das obras de Kafka. Ao fundo, inicia o vídeo com imagens de Depois da água (2014): nas águas da lagoa do Peri, levemente amareladas, passam objetos, papéis com anotações, desenhos e trabalhos que evocam memória. No espaço, estão alguns desses pequenos objetos, também sonoros: conchas, um piano de caixinha de música, apitos de chamar pássaros. Levanto do meio da plateia e começo a realizar pequenos movimentos com os braços, como pêndulos. com os braços soltos. Subo, visto um moletom preto, de onde tiro a lanterna, que acendo para seguir o texto, que será cantofalado.)
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o fim é o fim é o fim do fim do mundo depois de depois de depois do fim do mundo o fim do mundo é aqui é imundo e mudo o fim do mundo atrás é para trás e para a frente é mais pra frente é mais e para e para e é mais e para para para a frente é presente o presente é mais e apresente o presente e para trás é atrás é atrasado culpado é julgado é errado é mirrado surrado é inútil é nato | através da voz da vez da voz que não vem a vez da voz nunca vem quando chega a minha vez? quando chega a minha vez? há voz? estou na fila é o fim da rês é o fim do mês da resposta é aposta o respiro da ostra pira na pira quente do mundo aguente depois de depois de depois do fim do fundo a fumaça há fumaça a fumaça da dança das traças atrasas a vez da voz onde há voz há vácuo de vezes sem conta a voz não conta a voz cala a calada da guerra de depois da guerra e na guerra não há voz nein nein nein não é vez da voz doch natürlich natürlich natürlich tim-tim vamos brindar a ti atchim! achten achten achten achten auch die Augen auch die Augen ai ai ai doch ai dor ai dói outdoor de todo dia a fumaça é de todo dia e não chegou a minha vez a vez da voz da vírgula a gula do vácuo do out out out out na torre do rato nato no ato o rato nato no mato não não há mais mato nato nato no mato mato mata quem? é mata Durgue é mata Kali além é hey ma hey ma mamata não mamata não é má ma ma mamãe é má mamata não mata e cala ali mata o mato no ato o mato dentro mata adentro mata não mata não mata não a facão a facão não não não alemão na mata há 200 anos na mata abrindo o mato na mão hey ma hey ma hey ma e quem mata o rei mata o rei mamãe é má mamãe é má é mata Kali é mata Durgue é mata queimando mais é mata queimando queimando queimando queimando quem manda aqui? quem manda a queimada mata mais quem manda mata e manda aqui quem manda aqui? quem manda aqui? quem manda quem mata manda e quem diz que a mata é má? quem diz que a mata é má? cala cala cala cala e queima quem queima a mata cai e cai e cai e cai quem é que cai na mata? todo dia é dia de Kafka de cá ficar de cá ficar é dia é dia é diferente todo dia é diferente e todo diferente cai e sai e sai e sai e sai é o deferente o diferente é deferido é proterido é traído é sabido é arquivado aqui do lado não aqui não aqui não aqui não não tem quem sabe mais sabe mais sabe mais não sabe não não não não agora assine aqui que o senhor está sendo processado saindo armado processado e processado é armado e é amado e assine aqui há sina aqui assina aqui a sina que assina é assassinada aqui a sina é quente um pouco é quente e queima e guarda a guarda e aguarde um instante por favor por favor por favor aguarde no fim da fila um instante-fim afim afim do fim da fila afim na fila afim de um momento um momento um momento que há fila há fila há fila filha da mãe não é mamãe é quem mata quem queima quem queima é pai e pai de pé de pá da paz não é mamãe é rapaz da mata é mata e mato adentro dentro é mato ardendo e mata adentro a fila é fim é fim no fim no fim no fim no fim do mundo | apenas um instante um momento por favor a torre de comando está armada e mata mais mata no mando mando humano bando humano humano já foi humano a mata cai aguarde mais um instante depois do fim do fim da fila e vai e vai no vai vai vai que cala e cai a calada nas achas se acha ela se acha não acha não um instante por favor aguarde na fila da lenha não tenha pena não pena não pena não não tenho pena eu tenho medo medo eu tenho medo medo o mundo é estreito é apertado eu tenho peito é apertado o despeito é apartado é cheio de portas aqui é a horta é a hora parida aqui é perdida assim é assim é assado no ato estreito o mundo é estreito o mando é estreito eu tive medo eu vim mergulhado na noite da boite do boi do ai do si do sai do Sein do ai do ai ai ai ai vigiando dizem vigilando dizem cochilando dizem dizem dizem que é o disse que disse que me disse que diz quem disse que a nobreza sai da lei da nobreza da lei do assine aqui confira seus dados agora a sua senha é MEDO e tenha a senha aqui fica aqui fica aqui fica aqui que aqui é quente é a lei é da lei da pureza aguente a cerveja podre a cerveja é quente se a água é podre a cerveja é ruim se a água é podre a cerveja é ruim é a poça é podre é a multidão a poça é podre é a podridão essa não essa não a noite é sem lei a boite do boi do bom do boi que queima é o boi que queima queima queima queima queima se a água é podre a cerveja é ruim é ruim pra mim é cerveja azeda a senha do pilsen o pilsen já não compensa azeda a meta é mera dobra a mera megera a dobra e mega meta agora a firma da firma do fim por favor assine aqui aqui não aqui não aqui não tem na porta sempre fechada não é nada não é nada não é nada não é sentença padrão é defesa a festa é quem pega e pensa é a ponte pênsil assine e calcule a alíquota da cota do fim é afim é afim na porta sempre fechada não é nada não é nada é a cota da grota na boca a garota da bota da rota da nota e vota e vota é devota e voa e a proa do time o timão a profissão da fuga a sonata do sono da sua que sua a suma da lei que suma a suma da lei da soma que suga a luta da lei é lá na noite de boi pois depois do mundo e depois do fundo há olhos e ouvidos e uma nuvem de fumaça e medo

(Termina o vídeo. Tiro do bolso do moletom um pequeno realejo e giro a manivela, soa a canção enquanto o vídeo mostra um lenço branco na água e os sons de respiração forte.)

uma noite de fumaça e medo
mas não levem o medo pra casa
gute Nacht obrigada

(Recoloco o realejo no bolso e saio. As luzes se acendem. No palco vazio, estão os pequenos objetos que apareceram no vídeo.)




Segue o vídeo de 2014, realizado para o lançamento do Depois da água via prêmio Elisabete Anderle em parceria com meus então colegas de Artes Visuais da Udesc:



Foi um desafio intenso realizar essa performance recente, tanto por estar bem distante do palco há um tempo, e por lidar com matéria tão aturdida quanto os textos de Kafka e as manchetes atuais. Utilizei as imagens dos vídeos do Depois da água no contexto de várias ações que venho realizando nesse momento, de reativações de memórias e refazimentos dos meus trabalhos mais antigos. Estou revisando os primeiros livros, para distribuí-los digitalmente de forma gratuita e licenciá-los em Creative Commons, também com o intuito de criar segundas edições. Descobri dores inauditas no Depois da água, pelo modo como os recentes acontecimentos das enchentes na minha cidade (Lajeado/RS) mexeram com memórias, afetos e cristalizações.