sábado, 10 de setembro de 2016




E o quê e o ukiyo-e, às sete horas da noite. O que o ukiyo-e às sete horas da noite? É tarde, é noite, é hora de gravar todos agravos nesta gravura de horas. Neste dorso do tempo, tigre deitado, rosnando, tigre quase um gatinho de cócoras sobre o muro. Mas a noite sabe. O que sabe o ukiyo-e sobre a sobra que sobra nesta sombra de muro? A casa é espanto. A casa é murada de ruídos. A casa é morada de espíritos que sobem e descem escadas, o som dos seus chinelos, seus gritos, seus uivos, sua televisão. A casa não quer cuidado nenhum, quer as sobras, quer tudo o que sobra de nós. Ukiyo-e é a sombra transitória, nós passamos, não resta nem sombra. Estamos ligados nas tomadas. Somos as sobras de nadas nadando entre madeiras, pincéis, entre os dedos do gravador. Também ferimos, como goiva e buril. Também cortamos o assunto. Também unimos nosso silêncio aos sons de séculos passando sem vizinhos na casa vazia. Vocês não veem que somos esqueletos? Sobramos apesar de tudo. E apesar das goivas e formões formamos um uníssono que só se escuta quando quando, quando longe, quando então, usando algures e algas, quando no céu se dizem amém, amém, amamos. Nós nunca nos dizemos sem tinta preta. Nós não acreditamos em Deus, só colonizamos. No entanto nos guardamos para o paraíso e enquanto não temos mais o que fazer, fazemos. Fazemos amor com as cortesãs de Yoshiwara. Fazemos glicínias, rosas, púrpuras, toaletes maquiadas, fazemos matriarcas caírem a zero. Porque nós somos o insulto. Misturamos os insumos e o que o ácido não queima também não verga a madeira. Não subimos para fazer visitas, não tomamos chás, não queremos bolo em pratinhos oferecidos durante a tarde. Para nós é sempre tarde e sempre tarde para saber. Sombreamos o traço mesmo quando nos chamamos, e quando nos provocam, então, aí somos Marte e Vênus. Temos céus na boca, registros, coleções de latas, e somos sem perdão. Porque passamos assim, como as cédulas de mão em mão, ganhando bactérias, perdendo tempo, perdendo o que para vocês é tudo e para nós só suma luxúria. Gastamos com nozes, rolos, caldas, caramelos, chocolates e tesouras. Não fazemos maiores alardes, mas é assim, na impermanência das poltronas que nós mesmos nos prensamos.




poema publicado no jornal Qorpus / UFSC