E o quê e o ukiyo-e,
às sete horas da noite. O que o ukiyo-e às sete horas da noite? É tarde, é
noite, é hora de gravar todos agravos nesta gravura de horas. Neste dorso do
tempo, tigre deitado, rosnando, tigre quase um gatinho de cócoras sobre o muro.
Mas a noite sabe. O que sabe o ukiyo-e sobre a sobra que sobra nesta sombra de
muro? A casa é espanto. A casa é murada de ruídos. A casa é morada de espíritos
que sobem e descem escadas, o som dos seus chinelos, seus gritos, seus uivos,
sua televisão. A casa não quer cuidado nenhum, quer as sobras, quer tudo o que
sobra de nós. Ukiyo-e é a sombra transitória, nós passamos, não resta nem
sombra. Estamos ligados nas tomadas. Somos as sobras de nadas nadando entre
madeiras, pincéis, entre os dedos do gravador. Também ferimos, como goiva e
buril. Também cortamos o assunto. Também unimos nosso silêncio aos sons de
séculos passando sem vizinhos na casa vazia. Vocês não veem que somos
esqueletos? Sobramos apesar de tudo. E apesar das goivas e formões formamos um
uníssono que só se escuta quando quando, quando longe, quando então, usando
algures e algas, quando no céu se dizem amém, amém, amamos. Nós nunca nos
dizemos sem tinta preta. Nós não acreditamos em Deus, só colonizamos. No
entanto nos guardamos para o paraíso e enquanto não temos mais o que fazer,
fazemos. Fazemos amor com as cortesãs de Yoshiwara. Fazemos glicínias, rosas,
púrpuras, toaletes maquiadas, fazemos matriarcas caírem a zero. Porque nós
somos o insulto. Misturamos os insumos e o que o ácido não queima também não
verga a madeira. Não subimos para fazer visitas, não tomamos chás, não queremos
bolo em pratinhos oferecidos durante a tarde. Para nós é sempre tarde e sempre
tarde para saber. Sombreamos o traço mesmo quando nos chamamos, e quando nos
provocam, então, aí somos Marte e Vênus. Temos céus na boca, registros,
coleções de latas, e somos sem perdão. Porque passamos assim, como as cédulas
de mão em mão, ganhando bactérias, perdendo tempo, perdendo o que para vocês é
tudo e para nós só suma luxúria. Gastamos com nozes, rolos, caldas, caramelos,
chocolates e tesouras. Não fazemos maiores alardes, mas é assim, na impermanência
das poltronas que nós mesmos nos prensamos.
poema publicado no jornal Qorpus / UFSC