Em meu bolso, um resto de chuva. Guardo-a por
bilênios. Como tirar do bolso ─ sem molhar os transeuntes. Devoram a água aos
montes.
Há um cão escondido entre os meus seios. Fica
aqui, sossegado, comendo instantes. Alivia-se em estantes, trás de livros,
traça e mofo. Às vezes segredo. Às vezes esgoto.
Tem borboleta também. Voa e volta. Basta o
toque dessa mão na minha mão. E escorro no risco dos rabiscos.
Ressuscitando renúncias.
Por exemplo, Peter Flötner, 1542. É dele a
gota que faltava. A do fantasma. Essa mágoa que se põe a nu, de braços dados,
inundados. Água que corre há bilênios, cinco séculos, ou quase. É o que a
poeira e a culpa não poupou. O temor dos transeuntes. O coaxar do meu cão. O
poder de dizer não.