segunda-feira, 3 de outubro de 2016





Em meu bolso, um resto de chuva. Guardo-a por bilênios. Como tirar do bolso ─ sem molhar os transeuntes. Devoram a água aos montes. 
Há um cão escondido entre os meus seios. Fica aqui, sossegado, comendo instantes. Alivia-se em estantes, trás de livros, traça e mofo. Às vezes segredo. Às vezes esgoto. 
Tem borboleta também. Voa e volta. Basta o toque  dessa mão na minha mão. E escorro no risco dos rabiscos. Ressuscitando renúncias. 
Por exemplo, Peter Flötner, 1542. É dele a gota que faltava. A do fantasma. Essa mágoa que se põe a nu, de braços dados, inundados. Água que corre há bilênios, cinco séculos, ou quase. É o que a poeira e a culpa não poupou. O temor dos transeuntes. O coaxar do meu cão. O poder de dizer não.