Amo Kokoschka
e um caderno sem linhas.
e um caderno sem linhas.
Por isso, desespero de dúvidas
e não sei recomeçar.
A mão pesada das manhãs
o vacilo da imagem
a nudez e a exasperação
sempre pesam.
Amo a boneca de pano
que Kokoschka encomendou
como trunfo e tropeço
para a sua solidão.
Amo cada silêncio
que a sombra de Rilke, o rival,
provocou
provocou
na sua pequena Alma.
Amo a alma pouca
e namorada
dos homens traídos
Amo a alma pouca
e namorada
dos homens traídos
que não cabem em si,
como o desenho
não quer caber na página.
não quer caber na página.
Amo os ruídos das motos vizinhas
que acompanham o fluxo
de um caderno sem linhas
de um caderno sem linhas
que não ouso nem riscar.
Com Kokoschka, é tudo
zonzo assim, é tudo gonzos.
zonzo assim, é tudo gonzos.
Há pedaços de nuvem
guardados em algum lugar
de antes do amanhecer.
de antes do amanhecer.
Começa o dia
e pulsa
essa ardência de gizes,
de lápis, pastéis
sempre poucos para a minha fome.
Kokoschka pinta no céu
o avião que recém passou.
As espátulas estão limpas,
o cavalete quebrado,
o caderno acariciado
como se fosse deus.
como se fosse deus.
Só quem sabe reclamar das bombas
– só quem manda a guerra
um pouquinho mais para lá
pra não riscar um Rubens –
sabe morrer decentemente.
A coragem de Kokoschka é brumas
de um nunca permanecer.
Que barba nenhuma danifique
as cores de um certo quadro
que eu guardo na memória
entre dutches e dunas,
perfumado de sonho.
Já Kokoschka
não preciso nem lembrar
nem lamber.
Ele vive
não preciso nem lembrar
nem lamber.
Ele vive
em cada galho,
em cada gole de café.
em cada gole de café.
É um mago de mãos brandas,
o dia, a amanhecer
apesar das tintas.
Kokoschka me diz, de leve:
quem sabe rosnar é o leão
que nunca se olhou no espelho.