tiraram as palavras diretamente da minha garganta, sem
passar pela boca.
disseram que ninguém podia comer imagens.
para eles era tudo norma e haviam escrito, em um muro que
não há, que não se pode degustar. porque a saliva contamina tudo o que flui nos
sons da fala.
me fizeram despencar desde o glúteo até o monturo.
fiquei amarrada enquanto pinçavam, de dentro desse peito, um
jeito meio vermelho vivo.
naquilo que reluz, atmosferas.
daí fiquei com o corpo inchado. estranho, pois era justo o dom do muco que me mantinha leve. pegajoso,
com Hélios por dentro, com Jimis Hendrix, daimons e daimons que tocam flautas por
dentro do líquido. e Sócrates, nenhum.
e depois de ultrajada, não sabia o que poderia encontrar. só
havia confusão do instante, a carcaça jogada, igual um buey de Rembrandt:
aquele aberto, ainda que não dissecado, aquele pleno de sangue e carne que não
se mexe, aquele colapso das coisas que fazem sentido.
brilha, por dentro, o corpo. por fora é pós e paetés. tem veias como cachoeiras.
qualquer coisa que eu tiver vivido lá no lugar da discórdia, da norma, do concurso, eu agora curo e perdoo, sim. deixo o peito abrir com a fenda da
notícia. não molho mais aquilo que digo. se digo, digo. deixo a vida fluir em mares de esquecimento. deixo a
borboleta amarela pousar aqui onde não tem passarinho. pelo contraste é que a
gente percebe o quanto o pássaro é pesado, a carnadura de suas patas e o enchimento
das asas.
também não foi culpa deles, os que seguem leis. dizem que
não se pode com peito úmido e sussurros de dentro da madrugada, só porque ouviram. ouviram e viram que era assim, e era. a gente é pega
de jeito na barra das notícias, que a gente rola, rola, rola, se despedaçam
imagens com formas de ser e de não ser. eles não sabem, não pararam para
prestar atenção. são sendo.
e sempre fui assim, luz se desplazando, desesperadamente à
procura do que não. e do que corpo. como saber o sim? se sim e não não têm
significados. eu preciso dessas imagens que mastigo como vaca, na paciência
das deglutições. eles não.
faz parte do precipício ao qual me jogo com vontade.
não sem antes ficar sentada por muito tempo em cima de uma pedra, comendo as imagens que o mar vai colocando dentro da minha boca. e mastigando um pouco, deixando que elas formem bolo e calda com a minha saliva.
enquanto fico assim comendo imagens, um vento bate e é bom.
depois elas se trasnformam em palavras palavras palavras, tantas
e tão zanzas que até dá gosto vê-las dançar.
daí as pedras onde me sento são uma espécie de tambor.
eu sei que me arracaram de mim com
violência, e ainda vivo. porque aqui no vento é muito fácil cruzar limites do possível. e assim
sendo, tenho que esperar até que venham me sangrar novamente, ou então os sopro meio sem querer, lá para o lado. por que deveria seguir um caminho de Sísifo sem nem brisa?
mas eu mesma deixei eles
irem arrancando as palavras uma a uma e peguei a pedra que me deram e subi a colina. doeu para aprender, mas agora eu sei
voar. e depois do precipício tudo ficou ímpeto. meu corpo acocorado me diz o que
é: que é rosas, que é orvalho, que é poças e águas mansas, que é corte, às vezes, que na hora em que a gente nem
imagina, arrebenta a onda.