segunda-feira, 30 de maio de 2016





As lágrimas vermelhas molharam o chão do Mercado Público.
As lágrimas eram vermelhas e ofuscavam meus próprios olhos, de onde elas vertiam, desconsoladas, para diversão dos aflitos.
Por onde eu passava, sofria a multidão. O povo, se não me saudava de canto de olho, pelo menos me dava um passo atrás.
Eram lágrimas de tinta, eram furta-cor, eram lágrimas amarelas que saíam de minhas lágrimas vermelhas e jorravam até o mar.
Eu fiquei parada no segundo andar do Mercado Público, vertendo-as sobre o vestido.
De branco ficou vermelho, e disto foi se mudando em tantas múltiplas cores que todos os pássaros revoaram desde mim.
E assim, cega vendo o céu, sem no mínimo querer, dei alegria aos que me viram, porque finalmente eu era uma pintura. A esta altura.
Eles cantaram, eu não cantei. Nós suportamos um pouco melhor a vida & suas dores destruídas. Ficamos bobos, ao lado, no lodo das cores, na curva lilás.
Eu sei que houve um momento, antes.
Era branco.

Por onde andava, ficava rastro de coisas que eu não via. 




*poema de Depois da água, 2014, revisto/restaurado.