domingo, 29 de março de 2020































VINHO E HEMATOMAS
– E UM POUCO DE LED ZEPPELIN

onde as costas não podem se encostar

onde as coxas mal conseguem
subir umas escadas
sem ranger
por dentro
o sangue que circula
e forma essa pequena nuvem

primeiro azul esmaecido e depois
da cor do vinho
e dos seus lábios

nuvem dolorida
da lembrança
de uma queda que passou
como passou por essas coxas o seu
sangue e a sua saliva

nuvem de carne ardida
que se cospe nas esquinas
caindo de bicicleta
mascada aqui e acolá
uma espécie de vento
que esmaece em chuvas
a libido

a queda esse tipo de grito
que se grita só
pelas madrugadas
sem que haja
agentes ou arnicas
a aliviar
do tombo irrevogável
de todos os dias

quanta bobagem
se dizem os namorados
pensa Clarissa
a personagem

e me digo
o mesmo enquanto você
perambula pelo meu desejo
com seus lábio e língua
ainda intocados
mas perfeitos
como nessas fotos

você se lembra de uma glória
entre lençóis e suga
todos os meus lados
enquanto os hematomas

nuvens fuzis

fervem
por debaixo dos meus dicionários

há o rosário das horas
que orei sozinha
enquanto você
fingia não saber
o fim daquele orgasmo
e que há cabelo em ovo
para ser curado
com os números de Grabovoi

assim como o aro torto
e o pedal quebrado

você me avisou

vou não vá não vá disse
em uma alameda
ladeada de árvores

ali naquele lodo
você pode cair
assim
depois do orgasmo
cansada na chuva
às três da manhã
com a sua bicicleta

quando o sol urge
de desejos de nascer
na sua própria cama
ao som de Led Zeppelin
o seu blues
eu rio muito
do seu parlamento inglês
sendo Clarissa
a personagem
nessa jogada das pretas
que irão ganhar o lance

essa é a dama
baby
é o domus
a danação do instante no qual
você não consegue me sugar
e devolve
o clitóris entumecido
diante dos sinais de trânsito

para dizer adeus aos carros
e para sussurrar em cima
que não quer, não aguento mais,
mas não posso frear aqui,
pois parece
que você já me matou


***

Poema do livro Squirt (Terra Redonda, 2019)