segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

IV – Enquanto isso



O poeta, sobre a torre,
de braços estendidos,
contemplando águas

           que lhe levam,
urso, homem, nojo,
até a margem do abismo,

me parece, nessa altura,
encontrar com a sua sombra
            nesse bar
que nada no mistério
            de gelo
das suas dunas distraídas

deslocando-se devagar
entre um raio e outro
            do meu corpo.

A diferença é que você
já caiu da torre, antes mesmo
de entrarmos, os dois, 
no seu rio gelado.

A sombra do homem duplo, 
            erigido 
            monumento,
há dez anos destroçado 
sobre os seus abismos

não faz cócegas, 
            suas contas
            de motel
            estão pagas.

A sombra do homem
            é um lapso,
montanhas sob meus pés,

            as artérias da noite
consomem o poema
com a lembrança 
de um corpo, entre lençóis.

             E não se pode falar
             "amor" 
em meio aos pássaros imprecisos
de uma pandemia
que nos rouba a manhã.

O poeta ronda
nas janelas, nos bares,
                  quer saber
                  se se samba
sobre a sua cabeça,

está preso no zoo
com cabelos maltratados,
e você o meu lapso,
você é a sombra
da moça-fantasma, Letes, Lília,

um cálculo dos problemas
nos afastaria, também,
                   sem rumo
e nenhum trem 
onde fazer as pazes.