Isto surgiu em 2020, nos primeiros meses do ano, aqueles nos quais já estávamos condenados aos cuidados necessários para conter os avanços da pandemia de Sars-covid. Foi um período de produção intensa e guardo, ainda, muitos originais. Grande parte desses textos foi escrita para um livro que se desmembrou nos anos seguintes. Seria necessário, agora, reunir novamente, mais maduros, todos esses textos, vê-los em conjunto, para avaliá-los. Faço, agora, esse esforço minucioso, de reler a série que ganhou corpo no livro publicado em 2022 pela Terra Redonda, e que traz um fragmento de uma tela da série Páginas Soltas na capa.
A série de 11 textos era, portanto, longa, assim como a série da primeira parte, Oponente, que continha mais poemas, alguns de 10 páginas, em formato de relato de viagem. Publiquei em revistas, na época, também em áudios (vocalizados para o programa Quinta Maldita) e em uma plaquete ao estilo "histórias de pandemia". Enfim. Só agora consigo olhar de modo mais isento esse material, percebê-lo. Em relação ao Isto, senti a necessidade da releitura pente-fino por conta de alguns detalhes rítmicos, coisas pequenas. Estou fixando bem essas coisas para gravar, durante os dias mais silenciosos, algumas versões caseiras desses poemas, editá-las no Audacity, etc., motivada pela acolhida que o poema teve no evento Concerto de Poesia, da Estação das Letras, do qual participei há poucas semanas.Algumas imagens do poema em 11 partes, ou dos 11 poemas em sequência, como preferirem, vêm do livro Sobre Isto, de Maiakóvski, outras do tarot cigano (o baralho Petit Lenormand) e outras da tapeçaria A dama com o unicórnio, uma obra-prima da arte medieval que ainda não tive a oportunidade de ver ao vivo, mas que habita minha imaginação desde que li suas referências em Genet ("Diário de um ladrão", "Rembrandt"), mais ou menos o mesmo período em que a estudamos em Teoria e História da Arte (aquelas aulas deliciosas da graduação em Artes Visuais). Acho que um tanto de perspectivismo invadiu o poema, e também a resselvagização, tema que tem me acompanhado nos últimos trabalhos (telas da série Pele & anexos, livros de artista, textos vários, incluindo um romance híbrido entre AV e literatura que iniciei durante a minha licença).
As onze postagens abaixo irão se transformando conforme eu for conseguindo ajeitar um pouco as questões de formatação do blog e também mexendo um pouquinho nos próprios textos, mas os poemas da publicação são basicamente esses. Quem quiser um exemplar físico do livro Oponente + Isto para chamar de seu, ou quiser comprar o e-book da versão publicada, encontrará abaixo os links da editora.
As epígrafes do livro são:
Para
que o amor não seja escravo
de casamento,
luxúria,
pão.
Maldizendo as camas,
erguendo-se do estrado,
para que o amor preencha a imensidão.
Para que, no dia
em que envelhecer de dor,
não suplique como mendigo.
Maiakóvski, em Sobre isto
(Tradução de
Letícia Mei)
A mulher desviou os olhos da jaula, onde só o cheiro quente lembrava a carnificina que ela viera buscar no Jardim Zoológico. Depois o leão passeou enjubado e tranquilo, e a leoa lentamente reconstituiu sobre as patas estendidas a cabeça de uma esfinge. “Mas isso é amor, é amor de novo”, revoltou-se a mulher, tentando encontrar-se com o próprio ódio, mas era primavera e dois leões se tinham amado.
Clarice Lispector, no conto “O búfalo”
de casamento,
luxúria,
pão.
Maldizendo as camas,
erguendo-se do estrado,
para que o amor preencha a imensidão.
Para que, no dia
em que envelhecer de dor,
não suplique como mendigo.
Maiakóvski, em Sobre isto
A mulher desviou os olhos da jaula, onde só o cheiro quente lembrava a carnificina que ela viera buscar no Jardim Zoológico. Depois o leão passeou enjubado e tranquilo, e a leoa lentamente reconstituiu sobre as patas estendidas a cabeça de uma esfinge. “Mas isso é amor, é amor de novo”, revoltou-se a mulher, tentando encontrar-se com o próprio ódio, mas era primavera e dois leões se tinham amado.
Clarice Lispector, no conto “O búfalo”
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