sábado, 28 de dezembro de 2024

Postar as revisões de Desconjunto

No ano passado, março de 2023, estive em Montevidéu e acabei participando do Mundial Poético com uma performance dançada e cantofalada de um poema do Desconjunto, poema este que eu já havia gravado em áudio e em vídeo durante a pandemia e (re)publicado nas minhas redes. 

Trata-se de um texto que revisita o primeiro poema de A teus pés, de Ana Cristina Cesar, que eu conhecia apenas através do teatro (aos 15 anos, fui contrarregra de uma esquete cujo texto era justamente esse poema, mas nunca tinha tido acesso ao livro, antes do fechamento do Desconjunto). Foi ali que aprendi, de alguma maneira, a brincar com a floresta dos jogos subversivos que tanto me agradavam em poesia (dos "vejo ela" aos enjambements).


Ali

onde o mato alimenta-se de temores

guardo meus inventos, façanhas.

Façamos as escolhas: a rua faiscante corta os olhos

onde elaquela namora            os tropeços e os trovões.


Moedas a desabitam

a engolir suor.

Enrolou-se na saia vermelha, mora em segundo andar.

Eu cá preferi um mistério dentro,

                                          em torpor

                                          de mato.

               Coelhos, caçoadas,

               grilos morcegos: cada qual canta a seu jeito.


Às vezes,  reúno a orquestra

               para mostrar minha nova invenção:

invento do medo, do arbusto, calabouço.


As folhas imensas 

                eu resguardo. Deito-me. À noite chorei:

 meu travesseiro eram pó de pó de vento.


Caibo em cada parte onde escolho um tamanho −

a brincadeira é costurar cadáveres.


Agora é olhar as fotos: vejo ela com feridas na perna

      a equilibrar sapatos de agonia.

Então estou melhor: visto quinquilharias 

da mata

      e a cada dia invento outra,

                           outra canção.


Então grilos,

          morcegos,

                 caçoadas, arranjos: 

                           abelhas ao fundo,

                           -- um piano, no bordel.


Ainda gosto do meu primeiro livro, principalmente por vê-lo envelhecendo relativamente bem, aos 22, ele que nasceu, na verdade, em uma versão que não existe mais (chamava-se Mundos possíveis em 1998, quando ganhou forma, e os originais são apenas uma das muitas coisas perdidas na enchente do rio Taquari, que inundou Lajeado e a casa dos meus pais, em maio deste ano). 

Se meus spino-esquizos "mundos" das imposturas daquela primeira versão foram para o beleléu (há um certo alívio, nisso), os textos mais longos e "proseados" (nunca concordei com essa percepção alheia) tomaram força conforme fui perseguindo a potência das imagens em poesia. Fui me concedendo espaço, traduzindo-me em espacialidades mais vastas e emaranhadas. Um caminho que foi se adensando cada vez mais e que, ao desdobrar-se, sempre me joga de volta a essas experiências iniciáticas e suas muitas perguntas.




dois recortes da performance / março 2023


Há de sair, nos primeiros meses do próximo ano, a versãozinha digital dessa segunda edição, revista 22 anos depois que o livro foi finalmente publicado pelo Instituto Estadual do Livro, após 4 anos de espera devido aos percalços do sistema de edições governamentais. Na época, foram impressos 1000 exemplares, dentro da Coleção 2000. Eu tinha 22 anos, era meu primeiro livro, a apresentação foi escrita por Jane Tutikian, e outros poetas, como o Dilan Camargo, escreveram sobre ele. No ano anterior, ele fora texto de uma performance que teve duas temporaditas no Teatro de Arena (vide página acima). Reconduzir uma parte, por menor que seja, ao palco, duas décadas depois, foi um dos presentes que me dei durante minha Licença para tratar de interesses particulares, vivida entre 2023 e 24.

*

Fora a questão da performance, da publicação, etc., o que há de mais interessante nesse processo de revisitar/renascer é passar algum tempo testando pontuações, trocas de palavras, cortes e inserções de poemas que, à época, não entraram no livro, que apresentou 49 poemas, no total, divididos em 9 partes. É claro que muitos desses poeminhas que não saíram no livro e não integraram performances foram, também, perdidos, mas os que reinsiro agora estavam no espetáculo Poiesis Desconjunto ou na performance Rumor da casa e foram ditos porções e porções de vezes.








Comecei ontem a postar em minhas redes (Instagram & Facebook) as novas versões dos poeminhas, encarando o problema de como "ilustrá-las". Três postagens depois, descobri que não é tão difícil. Parti da série de autorretratos em pastel sobre xerox + fotografias de detalhes de colagens realizadas esse ano, seja em papel, nos livrins de artista em processo, seja sobre as 12 telas da série Pele & anexos, que eu imaginei nunca mais conseguir olhar, tamanho cansaço me fez concluí-las e arquivá-las, por enquanto. Porque cansa, viu. Tudo cansa. Até descansar. E boa parte desse ano e do meu tempo de licença (não sou das retrospectivas anuais, mas de décadas, como veem) investi no convívio com elas.