segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

VII – A melodia


Quem olha pra você
vê um homem.

Homem peludo,
gordo, suado,
os cabelos
amarrados
ou colados
nessa face
que não tem
réstia de anjo.

Sentado, no bar,
com os demais
que jogam sinuca,
não tem mesmo
nada demais,
só uma barba boba
e meio ruiva,
que alisa
quando olha
o celular.

Quase um russo,
eu diria.
No escuro
do seu lugar,
você se enfia
na fresta comum
e finge
não prestar atenção
nas mesas, no rumo
dos risos, nas musas
que passam, perfeitas
para se flertar.

Dentro de você
toca a harmonia,
uma música mais quente 
quase ruiva, quase contente,

que borbulha
como lava
na sua lua esquecida.

Essa música maldita
você verte,
às vezes,
quando tira a sua roupa

(um pouco contrafeito)

e ela começa a soar
do seu peito molhado,

sibilando baixinho
entre os seus compassos.

Quem apura o ouvido
pode ouvir, se quiser,
pelas frestas
dos seus braços
um pouco do alarido
que cresce
somente
quando você, decidido,
se ergue,
envolvido na harmonia
do seu próprio fenecer.

Paga outra cerveja
como se não tivesse
vindo agora mesmo
dessa fresta do astro sol,
e é por isso que sua
nas fímbrias das madrugadas.

Apenas sem orquestra
você pode ser você –
um você mesmo
esquecido de tudo

o que não é:
esse sujeito
um pouco gordo, atrevido,
urso rouco
e morto de calor.

E se transforma
em um ser anterior,
pedaço de sol, distraído,
que caiu sobre as cordas,

cuspiu suas lavas
e nasceu renasceu
dos seus próprios dentros,
dedilhando o asteroide.

Você relembra, então,
ao vulcão desacordado
que é hora de sair.

Sentado, aqui,
você é um homem,

apenas um homem gordo
que sorve a cerveja,
cotovelos apoiados
numa mesa suja
do bar Oponente

esse logos decadente
onde você mora,
no escuro,
quase sem barulho.