segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

X – O sonho

 

Você é o vestígio de um vinho bom,

         de um jazz, de um amanhecer
         na boca.

Os pássaros
sobrevoam o mar, lá embaixo
          e nós, nus,
          nos levantamos
para esticar os lençóis.

Você deixa
vestígios de um vento,
           um vento ameno
           vem da sua janela
e se instala na pele, como respiração.

Você é a luz de fora,
            o mar brilha, há um vento
amarelo e bom, o seu hálito,

há um pé de mamão maduro,
essas folhas
eu desenho com o olhar
quando dançam,

esgrimo-me e vejo o dia
a partir de você.

E é um rastro, um sol
sempre nascendo,
você adormece,
penso,
é isto
o que sobra do gozo
sobre os meus seios,
o amor, a sua solidão.

Você tem sonhos
       e suspiros variados,
sempre prontos para entorpecer.

E quando o dia ainda nascia
assim, sem jazz, sem você,
havia apenas folhagem,
miragem de amarelos
sobre o mar confuso.

Mas você melhorou os vinhos
com seu jazz, sua janela em cruz
sobre a manhã que nasce
              sempre que o mar secou,
e se foram todos os pássaros
para o meu passado.

Esticamos os lençóis,
e um peixe inerte
ainda salta da boca.

Não sinto o sono,
               você me contaminou
               com o abismo
de um eterno convalescer
               para piorar de novo.